
Imagine a cena: enquanto milhares de pessoas no interior do Piauí enfrentam dias intermináveis sem uma gota d'água na torneira, a cidade se preparava para receber dois dos maiores nomes do axé music. Pois é, a vida às vezes prega dessas contradições dolorosas.
E foi exatamente esse contraste surreal que levou a Justiça a tomar uma decisão polêmica, mas necessária. Na terça-feira, um juiz simplesmente puxou o freio de mão nos shows de Léo Santana e Kiko Chicabana que estavam marcados para Canto do Buriti. A cidade, que vive sob decreto de emergência por causa da seca mais cruel dos últimos anos, não tem condições de abrigar festas com grandes aglomerações.
Água para beber ou para festejar?
O que me deixa pensando aqui: como justificar um megaevento que consome milhares de litros de água quando a população está dependendo de caminhões-pipa para sobreviver? A promotora de justiça Thaís Lobo Barbosa não teve dúvidas - entrou com uma ação argumentando que seria, no mínimo, uma insensibilidade gigantesca.
E olha que a situação é grave mesmo. Canto do Buriti não é a única nesse sufoco. Mais 11 municípios piauienses estão no mesmo barco - ou melhor, no mesmo deserto. A Defesa Civil estadual confirmou que a região enfrenta uma das piores crises hídricas da história recente.
Os detalhes que pesaram na balança
O tal decreto de emergência não é brincadeira de gente grande. Foi publicado no Diário Oficial do Estado no último dia 19 de setembro, e a situação só piorou desde então. A promotoria foi categórica: permitir shows nesse contexto seria como dar um tiro no pé da própria população.
O juiz José Aluísio Alves de Meneses, da 1ª Vara da Comarca de Canto do Buriti, não teve como ignorar os fatos. Na sua decisão, ele deixou claro que a prioridade absoluta tem que ser o abastecimento de água para necessidades básicas - beber, cozinhar, tomar banho (quando possível). Festa fica para quando a chuva voltar.
E sabe o que é mais curioso? A defesa dos promotores dos eventos tentou argumentar que os shows trariam desenvolvimento econômico para a cidade. Mas convenhamos, de que adianta injetar dinheiro na economia local se as pessoas não têm o mínimo para viver com dignidade?
O que acontece agora?
Os organizadores têm duas opções: recorrer da decisão ou remarcar os eventos para quando a situação melhorar. Enquanto isso, os fãs de Léo Santana e Kiko Chicabana vão ter que contentar-se com as músicas no streaming.
Particularmente, acho que a Justiça acertou em cheio. Num momento de crise extrema, o poder público tem que priorizar o essencial. Shows são importantes, claro - a cultura alimenta a alma. Mas a água alimenta o corpo. E sem corpo, não há alma que resista.
Espero que essa decisão sirva de exemplo para outras cidades que estejam passando por situações similares. As vezes, dizer "não" é a forma mais corajosa de governar.