
O choro ecoava pelo corredor vazio, um som gutural que vinha das entranhas. Ela gritava, mas ninguém parecia ouvir. Naquela madrugada de terça-feira, na Maternidade Dona Evangelina Rosa, em Teresina, a vida deveria estar chegando. Mas o que chegou foi o silêncio. Um silêncio pesado, doloroso, que nenhum pai ou mãe deveria conhecer.
Maria* e João* – nomes fictícios para proteger identidades que já sangram demais – chegaram cheios de esperança. Ela com 39 semanas de gestação, sentindo as contrações que anunciavam o tão esperado encontro. "A gente tava tão animado, sabe?", conta Maria, a voz ainda trêmula. "Mal podíamos esperar para segurar nosso bebê nos braços."
O Começo do Pesadelo
As primeiras horas seguiram normais. Contração aqui, exame ali. Mas então algo mudou. Maria sentiu – uma mãe sente essas coisas – que o bebê não se mexia como antes. "Falei para a enfermeira, implorei", lembra. "Ela disse que era normal, que o bebê estava apenas economizando energia para o parto."
Normal? O que é normal quando uma vida está em jogo? As horas passaram, e a angústia só crescia. João, vendo a mulher se contorcer de dor e preocupação, corria de um lado para outro atrás de ajuda. "Parecia que estávamos invisíveis", desabafa. "Cada profissional que passava dizia para esperar, que logo iria tudo acontecer."
O Silêncio que Doi
Quando finalmente fizeram o ultrassom, o que deveria ser um momento de alegria se transformou em pesadelo. O técnico ficou quieto, muito quieto. "Ele não dizia nada, só mexia aquele aparelho com uma cara estranha", recorda Maria. "Aí veio a frase que ainda ecoa na minha cabeça: 'Não encontro os batimentos'."
O mundo desabou. Naquele instante, entre aparelhos médicos e paredes brancas, a vida que eles esperavam há nove meses simplesmente desapareceu. E o pior? A sensação de que poderia ter sido diferente.
Abandonados na Dor
O que se seguiu foi quase tão cruel quanto a perda em si. "Me deixaram sozinha na sala, gritando", descreve Maria. "Eu só gritava, e ninguém vinha. Quando vinham, era para me mandar calar a boca."
João tenta conter a raça ao relatar: "Eles trataram minha mulher como se fosse um incômodo. Um bebê morre, e a preocupação era com o barulho do nosso sofrimento?"
Busca por Justiça
O casal não vai se calar – disso têm certeza. Já registraram boletim de ocorrência na Delegacia de Homicídios e Proteção à Vida, e prometem lutar até o fim. "Não é só pelo nosso bebê", explica João. "É para que nenhuma outra família passe por isso."
A Secretaria de Estado da Saúde do Piauí emitiu uma nota – daquelas burocráticas, cheias de "lamentamos" e "estamos apurando". Mas palavras não devolvem vidas, não curam feridas abertas na alma.
O Que Fica
Enquanto isso, em algum lugar de Teresina, um casal tenta reconstruir o que restou. "A gente preparou o quarto, comprou roupinhas, escolheu o nome", conta Maria, as lágrimas finalmente vindo. "Agora voltamos para casa com os braços vazios."
A pergunta que fica, e que dói mais que qualquer contração: quantas vidas precisam se perder antes que o descaso vire prioridade?
*Nomes alterados para preservar as identidades