
Quem disse que a vida íntima acaba depois do câncer? Uma exposição que está dando o que falar resolveu encarar esse tabu de frente — e com uma protagonista nada convencional: a própria Annie Ernaux, vencedora do Nobel de Literatura em 2022.
Parece que aos 83 anos, a escritora francesa ainda tem muito a nos ensinar sobre coragem. E não só com palavras.
Mais do que fotos: um manifesto visual
A mostra, que ocupa as paredes da Galeria Lelong em Paris até 27 de julho, é um soco no estômago — no bom sentido. Marc Dumas, o fotógrafo por trás das lentes, capturou Annie de uma forma que poucos se atreveriam.
Não são apenas retratos bonitos. São imagens que contam histórias — algumas desconfortáveis, outras libertadoras — sobre envelhecer, sobreviver ao câncer e, pasmem, continuar desejando.
"O corpo que envelhece, o corpo doente, o corpo que deseja — tudo isso coexiste", parece sussurrar cada fotografia.
Quando a arte encontra a vida real
O que mais impressiona nessa exposição é como ela dissolve as fronteiras entre a artista consagrada e a mulher comum. Annie aparece em momentos íntimos, vulnerável e poderosa ao mesmo tempo.
Ela que sempre escreveu sobre tabus — sexualidade feminina, aborto, classes sociais — agora usa sua própria imagem para continuar essa conversa necessária.
Talvez seja essa a grande sacada: mostrar que o desejo sexual não tem data de validade. Nem mesmo quando o corpo enfrenta uma das maiores provações possíveis.
Um diálogo entre imagem e palavra
A exposição não se contenta em ser apenas visual. Textos da própria Annie acompanham as fotografias, criando um diálogo fascinante entre o que se vê e o que se lê.
É como se cada imagem ganhasse camadas extras de significado através das palavras precisas — e às vezes dolorosamente honestas — da escritora.
"A gente pensa que sabe tudo sobre o envelhecimento até ver algo assim", comentou uma visitante, emocionada. "Isso muda completamente a perspectiva."
Quebrando estigmas silenciosos
O câncer — especialmente os ginecológicos — costuma vir acompanhado de um silêncio constrangedor sobre sexualidade. Como se a doença roubasse não só a saúde, mas também o direito ao prazer.
Annie e Marc parecem dizer, com essa exposição: "Não, obrigada. Nós vamos falar sobre isso sim."
E que alívio alguém finalmente estar falando!
Num mundo que idolatra a juventude eterna e esconde a velhice como vergonha, essa mostra funciona como um respiro de ar fresco. Ou melhor, como um grito de liberdade.
Para quem precisa ver
Se você já enfrentou o câncer, conhece alguém que enfrenta, ou simplesmente tem medo de envelhecer — essa exposição é para você.
Ela não promete respostas fáceis. Mas oferece algo talvez mais valioso: a coragem de encarar a vida — com todas as suas complexidades — de frente.
Afinal, se uma Nobel de Literatura aos 83 anos pode fazer isso, por que nós não poderíamos pelo menos tentar?
A mostra está rolando agora em Paris, mas seu eco — esse sim — deve durar muito mais tempo.