O presidente eleito do Chile, José Antonio Kast, deixou claro em seu primeiro discurso a força de suas convicções religiosas. "Nada seria possível se não tivéssemos Deus", afirmou, revelando a base espiritual que guiará seu governo a partir de março de 2026. Essa postura, no entanto, não é uma surpresa para quem conhece sua trajetória familiar e sua formação no seio do movimento católico Schoenstatt, uma organização ultraconservadora com presença global.
As raízes familiares no movimento Schoenstatt
A ligação da família Kast com o Schoenstatt começou com seus pais, Michael Kast e Olga Rist, imigrantes alemães profundamente devotos da Virgem Maria. Outras fontes, no entanto, apontam que o primeiro contato partiu de seu irmão mais velho, Miguel, que conheceu integrantes do movimento durante a universidade. Fato é que Kast e vários de seus irmãos foram criados sob as diretrizes deste grupo, fundado em 1914 pelo padre alemão José Kentenich.
O Schoenstatt nasceu em um vilarejo de mesmo nome na Alemanha, às margens do rio Reno. Kentenich, um padre palotino, restaurou uma capela com um grupo de estudantes e pediu à Virgem Maria que a transformasse em um local de peregrinação. Um dos símbolos mais marcantes do movimento é a replicação idêntica dessa capela original por todo o mundo, uma prática que antecipou, em sua lógica, as franquias globais.
O que é o movimento Schoenstatt?
Definido como um "movimento apostólico de renovação" dentro da Igreja Católica, o Schoenstatt tem um caráter mariano pronunciado. Seu objetivo declarado é a "formação de um novo homem e de uma nova comunidade". O movimento é composto por um ramo leigo e um ramo religioso, que inclui uma ordem sacerdotal e comunidades de mulheres consagradas que, embora não sejam freiras por não fazerem votos, vivem uma vida de dedicação.
Frequentemente comparado ao Opus Dei, o Schoenstatt apresenta diferenças significativas. Segundo o filósofo chileno Álvaro Ramis Olivo, enquanto a Opus Dei buscou influência política e econômica, especialmente durante o franquismo na Espanha, o Schoenstatt prioriza a vida familiar. Além disso, embora compartilhe um rigor moral, não adota práticas penitenciais extremas como o cilício.
O movimento se expandiu para a América do Sul na década de 1930, primeiro na Argentina, depois no Brasil e no Uruguai. Hoje, está presente em todos os países latino-americanos, com exceção de algumas nações caribenhas e as Guianas. Só no Chile, Argentina e Brasil, existem quase 80 santuários. O Chile tem uma ligação especial, pois o próprio fundador, Kentenich, viveu exilado no país por um tempo.
Controvérsias e a sombra sobre o fundador
A história do Schoenstatt e de seu fundador é marcada por conflitos. Durante a Segunda Guerra Mundial, José Kentenich foi preso pela Gestapo e enviado ao campo de concentração de Dachau. Após a guerra, porém, enfrentou problemas dentro da própria Igreja. Em 1951, o papa Pio XII o afastou da liderança do movimento e o enviou para o exílio nos Estados Unidos, onde ficou por 14 anos.
As acusações envolviam o controle excessivo sobre os membros do movimento e, mais gravemente, abusos sexuais. A historiadora italiana Alexandra von Teuffenbach, em livro publicado em 2020, afirma que Kentenich abusou de uma integrante no Chile em 1947, com base em documentos do Vaticano. A liderança do Schoenstatt nega as acusações, mas reconhece aspectos controversos no comportamento de seu fundador. Essas denúncias paralisaram seu processo de beatificação, iniciado em 1975.
A influência na política chilena
Até a eleição de José Antonio Kast, apenas seu irmão Miguel, que foi ministro e presidente do Banco Central durante a ditadura de Augusto Pinochet, havia ocupado um cargo de alto escalão no Chile vindo das fileiras do Schoenstatt. A vitória de Kast coloca um membro deste movimento conservador no mais alto cargo do país.
O coordenador do Schoenstatt nas Américas, padre Felipe Ríos, rejeita o rótulo de "ultraconservador" e afirma que o movimento segue as diretrizes da Igreja Católica. Ele destaca a atuação do grupo na região, que inclui a administração de escolas no Chile, Argentina, Equador e México, um hospital em Buenos Aires e projetos voltados para os mais pobres.
A eleição de Kast levanta debates sobre a influência de grupos religiosos específicos na política latino-americana. Sua fala inicial, carregada de simbolismo religioso, indica que sua fé, moldada pelos princípios do Schoenstatt, será uma bússola visível de seu governo, em um continente onde a relação entre religião e estado permanece um tema complexo e sensível.