Uma decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, colocou em evidência uma aparente contradição em sua política de combate ao narcotráfico internacional. Enquanto intensifica operações militares na região do Caribe, o republicano concedeu um indulto total e incondicional ao ex-presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández, condenado por crimes ligados ao tráfico de drogas.
Guerra nas águas e perdão surpresa
Nos últimos quatro meses, a administração Trump adotou uma postura agressiva na chamada guerra às drogas. Tropas americanas foram deslocadas e o governo autorizou o bombardeio de mais de 20 embarcações suspeitas de transporte de entorpecentes na região do Caribe e Pacífico. Essas ações resultaram em pelo menos 83 mortos. Apenas na sexta-feira, 28 de novembro, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, declarou que Washington estava apenas "começando a matar narcoterroristas".
Contudo, poucos dias após essa declaração belicosa, Trump assinou o perdão que libertou Juan Orlando Hernández. O ex-mandatário hondurenho havia sido condenado em março de 2024, durante o governo de Joe Biden, por conspiração para importar cocaína para os Estados Unidos e por posse ilegal de armas automáticas.
O caso condenatório e a defesa de Trump
Durante o julgamento, promotores americanos apresentaram provas contundentes. Documentos do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) revelaram que Hernández teria dito a um chefão do narcotráfico que iria "enfiar as drogas direto no nariz dos gringos". Os acusadores afirmaram que suas ações causaram "danos incalculáveis" e "sofrimento inimaginável" aos cidadãos dos Estados Unidos.
Os promotores pediram uma sentença que mantivesse o ex-presidente preso pelo resto da vida, argumentando que ele traiu a confiança pública ao se apresentar como aliado no combate às drogas enquanto, nos bastidores, protegia traficantes. A sentença final foi de 45 anos de prisão.
Ao justificar o indulto, Donald Trump emitiu um comunicado afirmando que "muitos amigos" pediram a clemência para Hernández. Ele criticou a sentença, dizendo: "Deram-lhe 45 anos porque ele era o presidente do país — isso poderia ser feito com qualquer presidente em qualquer país". Hernández foi libertado na segunda-feira, 1º de dezembro.
Críticas de hipocrisia e tensão com a Venezuela
Especialistas e ex-agentes veem a medida como uma contradição gritante. Mike Vigil, ex-chefe de operações internacionais da DEA, disse ao jornal The Guardian que o ato "só demonstra que todo o esforço antidrogas de Donald Trump é uma farsa — é baseado em mentiras, é baseado em hipocrisia". Ele completou: "Ele concede indulto a Juan Orlando Hernández e depois persegue Nicolás Maduro … É tudo hipocrisia."
Enquanto isso, Trump aumenta a pressão sobre a Venezuela. Uma força-tarefa naval significativa, incluindo o porta-aviões USS Gerald R. Ford, destróieres, caças F-35, um submarino nuclear e cerca de 6.500 soldados, foi enviada para a região. O governo americano acusa o presidente Nicolás Maduro de liderar o Cartel de los Soles, designado como organização terrorista, e oferece uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à sua captura.
Fontes anônimas ao Miami Herald relataram que Trump teria dado um ultimato a Maduro para que fugisse do país com sua família. O impasse se formou quando o regime chavista condicionou a entrega do poder político à manutenção do controle das Forças Armadas, proposta rejeitada pelos EUA. No dia seguinte à libertação de Hernández, Trump afirmou que ataques dentro da Venezuela começariam "em breve".
Interferência eleitoral e reações
O indulto também se conecta com a política interna de Honduras. Trump tentou influenciar as eleições gerais do país, ameaçando cortar a ajuda financeira caso seu candidato apoiado, Nasry Asfura, não vencesse. O órgão eleitoral hondurenho declarou um "empate técnico" entre Asfura e seu principal adversário, Salvador Nasralla, descrito por Trump como "quase comunista". A declaração irritou o presidente americano, que acusou tentativas de "mudar" o resultado.
Juan Orlando Hernández, que assim como Trump alega ter sido vítima de perseguição política, agradeceu publicamente. Em uma publicação no X (antigo Twitter), escreveu: "Minha mais profunda gratidão ao presidente Trump por ter tido a coragem de defender a justiça quando um sistema instrumentalizado se recusava a reconhecer a verdade."
Analistas apontam que a situação expõe uma seletividade na aplicação da lei e nos alvos da guerra às drogas promovida por Trump, transformando-a em um instrumento geopolítico que parece ignorar aliados condenados enquanto mira adversários políticos como Maduro. O episódio do indulto promete alimentar ainda mais as críticas à coerência da política externa americana na região.