O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concedeu perdão oficial a Juan Orlando Hernández, ex-mandatário de Honduras que cumpria pena de 45 anos de prisão por narcotráfico. A decisão, anunciada na sexta-feira (28) e formalizada na noite de segunda-feira (1º), permitiu que Hernández deixasse a prisão de Hazelton, na Virgínia Ocidental, onde estava detido.
Contradição na guerra às drogas
A medida ocorre em meio a uma ofensiva militar liderada por Trump contra supostos traficantes de drogas na América Latina, que já resultou em mais de 80 mortos em ataques a barcos no Caribe e no Pacífico. O ex-presidente americano afirmou ainda que os EUA podem iniciar "ataques terrestres" contra países como a Venezuela, acusados de produzir ou vender drogas ilegais.
Analistas veem um paradoxo evidente. "Realmente cria uma incoerência", afirma Rebecca Bill Chavez, ex-subsecretária de Defesa dos EUA e presidente do Diálogo Interamericano. A especialista questiona o uso de força letal contra traficantes de baixo escalão enquanto um chefe de Estado condenado por facilitar o mesmo comércio é perdoado.
O "narcoestado" hondurenho sob Hernández
As evidências apresentadas no tribunal federal de Nova York no ano passado foram contundentes. O júri declarou Hernández culpado, de forma unânime, por conspiração para o narcotráfico. O julgamento expôs a operação de um "narcoestado" no século XXI.
Durante sua presidência (2014-2022), Hernández se apresentava como aliado de Washington, mas, em conversas privadas, falava em "enfiar a droga nos gringos bem debaixo do nariz deles", segundo testemunhas. Provações mostraram que ele recebia malas de dinheiro de narcotraficantes e que sua campanha presidencial de 2013 recebeu US$ 1 milhão do cartel de Sinaloa, de Joaquín "El Chapo" Guzmán.
As drogas cruzavam Honduras por terra, ar e mar com a conivência do Estado, que pavimentou estradas em áreas remotas e permitiu o controle de pistas e portos por traficantes. A violência associada ao narcotráfico fez de Honduras o país com a maior taxa de homicídios do mundo na última década.
Reações e questionamentos políticos
Após o indulto, Trump disse se sentir "muito bem" com a decisão, classificando o processo contra Hernández como uma "horrível caça às bruxas" do governo Biden. O ex-presidente hondurenho, que sempre se declarou inocente, havia escrito uma carta a Trump em outubro alegando ser vítima de perseguição política.
A decisão, contudo, gerou mal-estar até entre aliados de Trump. O senador republicano Thom Tillis afirmou que o perdão "passa uma mensagem horrível". Já o senador Bill Cassidy questionou no X: "Por que concederíamos indulto a esse homem e depois iríamos atrás de Maduro por tráfico de drogas nos EUA?".
Christopher Sabatini, pesquisador da Chatham House, acredita que a ação de Trump "não se trata realmente de uma guerra contra as drogas". Para ele, é uma questão de partidarismo e de forçar governos da região a apoiá-lo, evidenciando uma seletividade política na abordagem ao narcotráfico.