Em uma fábrica secreta na Ucrânia, sob extrema segurança, uma nova arma está sendo montada. Trata-se do míssil de cruzeiro Flamingo, projetado para atingir alvos a até 3 mil quilômetros de distância, no coração do território russo. A produção é tão sigilosa que jornalistas são levados de olhos vendados e têm seus celulares confiscados antes de entrar no local.
A fábrica secreta e a corrida armamentista ucraniana
Dispersar e esconder a produção de armas tornou-se uma questão de sobrevivência para a Ucrânia. Duas fábricas da empresa responsável pelo Flamingo, a Fire Point, já foram destruídas por ataques. Dentro da instalação visitada, há restrições severas: não se pode filmar detalhes da arquitetura, como pilares ou janelas, nem mostrar os rostos dos trabalhadores na linha de montagem.
Mesmo sob constante ameaça, o país está expandindo sua indústria bélica. O presidente Volodymyr Zelensky afirma que mais de 50% das armas usadas na linha de frente agora são produzidas localmente. Quase todo o arsenal de longo alcance é fabricado internamente, uma mudança radical desde o início da guerra, quando a Ucrânia dependia majoritariamente de equipamentos da era soviética.
O míssil que "come petróleo russo"
À frente do projeto na Fire Point está Iryna Terekh, de 33 anos, diretora técnica e ex-estudante de arquitetura. Ela parece pequena diante do gigantesco míssil Flamingo, que tem o comprimento de um ônibus londrino. O artefato, que lembra o foguete alemão V1 da Segunda Guerra, consiste em um grande motor a jato sobre um tubo.
"Ele foi pintado de preto e não de rosa", explica Terekh, referindo-se aos primeiros protótipos que deram o nome Flamingo à arma, "porque come petróleo russo". O míssil já foi usado em combate, embora a empresa não confirme alvos específicos.
O Flamingo é o tipo de arma de ataque profundo que nações ocidentais, como os Estados Unidos, têm sido relutantes em fornecer. Com seu alcance de 3 mil km, é uma alternativa ucraniana ao sofisticado e caro míssil Tomahawk americano.
Estratégia de guerra: atingir a economia inimiga
Com a linha de frente estendendo-se por mais de mil quilômetros e a Ucrânia perdendo terreno, a estratégia tem sido atacar a retaguarda russa. O objetivo é reduzir a capacidade econômica e militar do adversário, retardando seus avanços.
O general Oleksandr Syrskyi, chefe das Forças Armadas da Ucrânia, calcula que os ataques de longo alcance já custaram à economia russa mais de US$ 21,5 bilhões apenas este ano. Ruslan, um oficial das Forças de Operações Especiais, detalha que centenas de ataques foram realizados contra refinarias, fábricas de armas e depósitos de munição dentro do território russo.
A Rússia, no entanto, responde com intensidade ainda maior, lançando em média 200 drones Shahed por dia, o dobro da capacidade de resposta ucraniana. Seus ataques também têm como alvo a infraestrutura civil, causando cortes de energia em larga escala.
Autossuficiência como garantia de segurança
A Fire Point é um símbolo do esforço de guerra ucraniano. A startup nem existia antes da invasão russa em larga escala, em 2022. Hoje, produz 200 drones por dia. Seus modelos FP1 e FP2, do tamanho de pequenos aviões, são responsáveis por 60% dos ataques de longo alcance do país. Cada unidade custa cerca de US$ 50 mil, três vezes menos que um drone Shahed russo.
A empresa adota uma política deliberada de autossuficiência. "Seguimos o princípio de que ninguém pode influenciar as armas que fabricamos", afirma Iryna Terekh. Eles evitam componentes de dois países específicos: China e Estados Unidos. Sobre os EUA, Terekh justifica: "Estamos em uma montanha-russa emocional com eles. Amanhã, alguém pode querer encerrar o programa, e não poderíamos usar nossas próprias armas".
Essa postura reflete a incerteza quanto ao apoio internacional futuro. Os Estados Unidos, que já forneceram quase US$ 70 bilhões em ajuda militar, reduziram drasticamente seu suporte. Para Terekh, fabricar as próprias armas "é a única maneira de realmente fornecer garantias de segurança". Ela classifica as atuais negociações de paz como "negociações de submissão".
Denys Shtilerman, designer-chefe e cofundador da Fire Point, admite que não existe uma arma milagrosa. "O que muda o jogo é a nossa vontade de vencer", afirma. A ex-arquiteta Iryna Terekh espera que a Europa aprenda com o exemplo ucraniano. "Somos um exemplo sangrento", diz, "em termos de preparação para a guerra". Ela acredita que qualquer outro país, sob o mesmo ataque, "já teria sido conquistado".