O filósofo, ambientalista e imortal da Academia Brasileira de Letras, Ailton Krenak, foi uma das grandes atrações do Festival LED – Luz na Educação, realizado em Belém nesta terça-feira, 2 de julho. Em uma palestra no formato de entrevista intitulada "Um exercício para sonhar o amanhã", o líder indígena defendeu uma transformação radical no sistema educacional brasileiro, criticando fortemente a lógica produtivista e a invasão das telas digitais nas salas de aula.
Crítica ao modelo produtivista e às telas
Krenak foi direto ao ponto ao questionar o rumo que a educação tem tomado. Para ele, o ensino está sendo moldado por uma visão corporativa que prioriza a formação de mão de obra em detrimento da experiência criativa e humana. "Por mim, tela não entrava em sala de aula", declarou, provocando reflexão na plateia.
O pensador argumentou que o uso excessivo de dispositivos digitais está criando um "abismo entre a experiência de estar vivo e o simples ato de olhar imagens sem noção". Ele alertou para os riscos de uma infância capturada por um imaginário tecnocrata, onde o ato de ensinar perde sua essência afetiva e criadora. "Ensinar deve ser um ato de afeto e criatividade, e não uma ferramenta de reprodução do mercado", afirmou, ecoando as ideias de Paulo Freire sobre uma educação que não sequestra a experiência criativa.
Família, território e o sentido do aprender
Krenak ressaltou que o primeiro e mais importante núcleo educacional é a família, local onde se constroem as relações afetivas que dão sustentação a todo o aprendizado. Ele criticou a terceirização dessa experiência, apontando que o sistema formal de ensino oferece pouquíssimo espaço para a criatividade.
O debate se ampliou para a relação das pessoas com o território. Usando a Amazônia como exemplo, o filósofo denunciou o paradoxo de um país que insiste em empobrecer sua própria abundância. "Um lugar com comida em abundância, nós destruímos o rio, a floresta, construímos barragens e produzimos pobreza", criticou. Para ele, o atual modelo de desenvolvimento incentiva a migração e o consumo de produtos externos, enfraquecendo as economias locais e o senso de pertencimento.
Sonhar um novo futuro ético e ecológico
Em sua conclusão, Ailton Krenak vinculou o futuro da educação a uma necessária transformação ética e ecológica da sociedade. "Se a gente melhorar, a gente para de estragar o mundo", sintetizou. Ele lembrou que o conceito de educação varia conforme o contexto cultural e social, e que, em nações marcadas pela desigualdade, ensinar também é um ato de preparar cidadãos conscientes de seus direitos.
O líder indígena fez uma emocionada retrospectiva de sua própria trajetória, lembrando que, aos 30 anos, participou da Assembleia Constituinte que resultou no capítulo 231 da Constituição de 1988, garantindo direitos aos povos originários. "Aquele rapaz tinha um sonho de inventar o mundo, de liberdade e autonomia", recordou.
Para Krenak, educar é, em sua essência, um ato de inventar mundos possíveis. Sonhar, nessa perspectiva, é um caminho para restabelecer o sentido humano diante das crises planetárias. Ao final de sua fala, que foi amplamente aplaudida de pé pelo público, ele reforçou a urgente reivindicação por mais demarcações de terras indígenas no Brasil.