O tão aguardado acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que parecia ter seu fim à vista após 26 anos de negociações, sofreu um novo revés e foi adiado. A assinatura, prevista para ocorrer durante a Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, no sábado, 20 de dezembro de 2025, foi postergada pela Comissão Europeia, que cedeu à pressão de agricultores do bloco, especialmente da Itália.
O impasse político e o lobby agrícola
A última hora, o braço executivo da União Europeia decidiu adiar a formalização do tratado para janeiro, frustrando as expectativas dos líderes sul-americanos. O presidente Lula resumiu a sensação ao afirmar que "infelizmente, a Europa ainda não se decidiu". A principal resistência partiu da Itália da primeira-ministra Giorgia Meloni, que teme uma invasão de produtos agrícolas brasileiros no mercado europeu e exige mais proteções contra a concorrência.
Eduardo Mello, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas, analisa a situação: "A dúvida é quanto ela se dobrará ao lobby agrícola". Esse lobby demonstrou uma força desproporcional ao seu tamanho nas negociações, criando um obstáculo significativo para a conclusão do pacto.
Salvaguardas e o jogo de interesses
O acordo já prevê mecanismos de proteção para os europeus. As chamadas salvaguardas permitiriam que o bloco suspendesse o acesso preferencial a produtos como carne bovina, aves e açúcar do Mercosul se as importações crescessem mais de 8% ou se os preços caíssem na mesma proporção. Mesmo assim, a pressão por mais barreiras persistiu.
Do lado sul-americano, a reação foi de crítica. Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, classificou o nível de proteção exigido como "um absurdo" e defendeu a necessidade de uma contramedida por parte do Mercosul. Em resposta, o chanceler Mauro Vieira declarou que o bloco sul-americano também contará com seu próprio pacote de salvaguardas.
O tabuleiro geopolítico e o futuro do acordo
A aprovação final do acordo na UE depende de países que representem, pelo menos, 65% da população do bloco, o que torna a posição das nações mais populosas crucial. A Alemanha, com seus 83 milhões de habitantes, lidera o grupo favorável à integração com a América do Sul. Em oposição, a França, segunda maior população com 69 milhões, articula os que resistem ao tratado.
Apesar do impasse, analistas apontam que a Europa não pode abrir mão de novos mercados. Vinicius Vieira, professor da Faap, destaca que "o Mercosul é uma opção aos Estados Unidos de Donald Trump e à China". Para destravar a situação, uma estratégia possível é mobilizar os setores industriais europeus, grandes beneficiários do acordo, que ganhariam acesso privilegiado ao mercado sul-americano.
O diplomata e ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, reforça esse ponto: "Os principais ganhadores do acordo são os produtos industriais europeus, que vão acessar o Mercosul". Assim como ocorreu com as tarifas de Trump, onde a articulação das empresas americanas foi crucial, a pressão dos setores econômicos europeus que lucrarão com o tratado pode ser o caminho para encerrar, de vez, esta novela que agora se estende para 2026.