A Prefeitura do Rio de Janeiro desencadeou uma intensa polêmica ao decretar a desapropriação de um prédio comercial ativo no bairro de Botafogo, na Zona Sul da cidade. A medida, publicada no Diário Oficial no final de novembro, afeta um imóvel que abriga uma academia e um supermercado – este último em processo de troca de bandeira – localizado na Rua Barão de Itambi. A justificativa municipal é o interesse público e a renovação urbana, mas a decisão tem gerado forte reação de moradores, empresários e um vereador, que questionam a legalidade do ato.
O decreto e a reação da comunidade
O decreto municipal declara o imóvel como de utilidade pública e prevê sua alienação por meio de leilão, dentro do instrumento de desapropriação por hasta pública. A base legal citada é uma lei municipal de janeiro de 2024. Contudo, para a comunidade local, o prédio não se enquadra nos critérios da legislação, pois nunca esteve abandonado e sempre cumpriu sua função social, prestando serviços essenciais ao bairro.
"Acho isso um absurdo, né, desapropriar um prédio pra fins de quê?", questionou o aposentado Paulo Maurício Figueira de Queiroz. Ele e outros moradores organizam um abaixo-assinado pedindo a revogação do decreto. O jornalista Leonardo Salles da Silva reforçou a importância do comércio local: "Esse mercado, além de ser útil pra toda a vizinhança, acaba ativando a área, questão de segurança, movimento".
O papel da FGV e as contradições
A polêmica ganhou novos contornos quando o prefeito Eduardo Paes (PSD) afirmou, em entrevista à rádio CBN, que a iniciativa partiu de um pedido da Fundação Getulio Vargas (FGV). Paes declarou que a instituição, que já tem outros imóveis na mesma rua, tem interesse em expandir suas atividades e criar um centro de pesquisa em Inteligência Artificial no local, algo que seria uma "enorme vantagem pra cidade".
O prefeito também disse ter recebido a informação de que o supermercado estava desativado, comentando que "mercado a gente pode fazer em qualquer outro lugar". No entanto, a primeira manifestação da FGV ao g1 foi de que "desconhecia o assunto". Após a fala de Paes, a assessoria da fundação confirmou a intenção de criar um grande centro de tecnologia e pesquisa em IA, mas alegou não poder fornecer mais detalhes devido ao recesso natalino.
Proprietários e vereador contestam a decisão
Do outro lado, o Grupo Sendas, proprietário do imóvel desde os anos 1970, nega veementemente que o prédio estivesse inativo. Arthur Sendas Filho, presidente do grupo, afirmou que a operação do supermercado continuava internamente durante a troca de bandeira e que a reabertura ao público estava prevista para janeiro. "É um imóvel que está com todos os impostos em dia, com uma atividade funcionando. Nunca foi abandonado", declarou.
Sendas criticou a declaração do prefeito: "Ele não pode usar um instrumento público para beneficiar uma entidade privada. É sem sentido. Um absurdo total". Em linha semelhante, o vereador Pedro Duarte (sem partido) enviou um requerimento de informações à prefeitura, cobrando os estudos técnicos que embasaram o decreto e questionando o uso da desapropriação por hasta pública em um imóvel que cumpria sua função social. A reportagem tentou ouvir a Prefeitura do Rio sobre os critérios usados, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
O caso coloca em debate os limites da renovação urbana, o direito à propriedade e a transparência na gestão pública, aguardando novos desdobramentos e a análise prometida pelo próprio prefeito Eduardo Paes.