Novo livro revela os 200 poemas inéditos de Ricardo Reis, heterônimo de Pessoa
Livro revela obra completa de Ricardo Reis, heterônimo de Pessoa

Baú de tesouros literários revela novos segredos de Fernando Pessoa

Uma nova publicação está causando frisson no mundo literário brasileiro. Acaba de chegar às livrarias do país a Obra Completa de Ricardo Reis, um dos mais fascinantes heterônimos de Fernando Pessoa. A antologia traz à luz material inédito que havia permanecido décadas escondido nos famosos manuscritos desorganizados do poeta português.

A edição brasileira, publicada pela Tinta-da-China Brasil, chega ao mercado neste sábado, 8 de novembro de 2025, com 520 páginas que reúnem toda a poesia e prosa de Ricardo Reis. O valor do livro é de R$ 189,90.

O misterioso processo criativo de Pessoa

Fernando Pessoa, nascido em Lisboa em 1888, viveu uma infância marcada por tragédias. Perdeu o pai e o irmão mais novo ainda na infância para a tuberculose, e viu sua mãe trocar a melancolia do luto pela euforia de um novo romance. Essas experiências moldaram um homem reservado, com poucos amigos e quase nenhum envolvimento amoroso.

Mas sua genialidade literária se manifestava através dos heterônimos - personalidades completas que ele insistia não serem meros pseudônimos. "Eram gente", anotou Pessoa em uma de suas muitas obras nunca publicadas. O poeta mantinha um método de trabalho caótico, escrevendo em pedaços de papel soltos e aleatórios, que formavam um verdadeiro baú de tesouros literários ainda em processo de descoberta.

Ricardo Reis: o heterônimo virginiano

Ricardo Reis era descrito por Pessoa como um médico português melancólico, um ano mais velho que o próprio autor e profundamente influenciado pelo classicismo grego. Curiosamente, Pessoa utilizava seus conhecimentos de astrologia na criação de seus heterônimos - no livro há um pequeno mapa astral que define que Ricardo Reis era virginiano.

Em vida, Pessoa publicou menos de trinta poemas de Reis, mas a obra completa revela mais de 200 peças que ficaram guardadas por décadas. A diferença é abismal e mostra o quanto ainda há para descobrir sobre o autor.

Heterônimos: muito mais que pseudônimos

Em 1928, Fernando Pessoa deixou clara a diferença fundamental entre pseudônimos e heterônimos: "a obra pseudônima é do autor em sua própria pessoa, no nome que ele assina; a heterônima é do autor fora de sua pessoa, é de uma individualidade completa fabricada por ele".

O trio mais popular de heterônimos exemplifica perfeitamente esse conceito:

  • Ricardo Reis: racional e clássico
  • Álvaro de Campos: emotivo e colérico
  • Alberto Caeiro: fleumático introspectivo

Para Jerónimo Pizarro, um dos organizadores da obra, "Pessoa é nitidamente um autor póstumo. É muito mais um escritor nosso do que de sua época. Se torna nosso porque está a ser publicado, construído e conhecido nos dias de hoje".

A nova publicação foi organizada pelos pesquisadores colombianos Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, incluindo dois poemas inéditos e imagens de manuscritos e anotações do próprio Pessoa. A obra revela um Reis crítico da religião cristã e defensor dos ideais paganistas, acreditando que a divindade se manifestava através da natureza.

Fernando Pessoa morreu em 1935, aos 47 anos, vítima de cirrose hepática consequente do alcoolismo. Estudiosos sugerem que possa ter sofrido de distúrbios mentais que contribuíram para seu caráter fragmentado. Essa informação dá nova profundidade à famosa frase de Ricardo Reis: "para ser grande, sê inteiro". Paradoxalmente, o inesquecível poeta foi tudo o que pôde ser - através de suas múltiplas personalidades literárias.