Em um cenário muitas vezes dominado por notícias negativas, algumas histórias de trabalho persistente e transformador merecem destaque. Em 2025, o projeto cultural Sempre Um Papo, criado pelo jornalista Afonso Borges, não apenas completou quase quatro décadas de existência, como viveu um ano de reinvenção, expansão e reconhecimento de protagonismos. Foi o ano em que a literatura voltou efetivamente ao centro da vida cultural brasileira, alcançando números impressionantes e tocando vidas de forma profunda.
Expansão nacional e números que impressionam
O balanço de 2025 do Sempre Um Papo é um retrato claro de sua vitalidade. O projeto ampliou sua presença para quatro estados brasileiros, alcançando a marca de quase cem mil pessoas de forma direta. Toda a programação, ampla e diversificada, manteve-se gratuita e acessível, viabilizada pela Lei Rouanet. Em sua cidade natal, Belo Horizonte, onde o projeto completará 40 anos em 2026, manteve a parceria com a Cemig e continuou ocupando a Biblioteca Pública com lançamentos e debates.
Ao mesmo tempo, o Sempre Um Papo reafirmou seu alcance nacional. Manteve ciclos regulares em São Paulo e Paracatu, retomou suas atividades em Brasília, na Caixa Cultural, e voltou ao Rio de Janeiro com o evento "Palavra Acesa", realizado no Museu do Amanhã. O objetivo sempre foi o mesmo: criar um espaço de conversa pública onde as pessoas não vão para destruir, mas para construir diálogos.
Festivais e o momento mais forte do ano
Os grandes festivais organizados pelo projeto em 2025 sintetizam sua missão de conectar escritores e público. Foram quatro edições: a Fliparacatu (com a Kinross), a Fliaraxá (com Itaú, CBMM e Bem Brasil), a Flitabira (com a Vale) e a Flipetrópolis (com a GE Aerospace). Cidades como Araxá, Paracatu, Itabira e Petrópolis receberam a mesma aposta: a de que uma comunidade se fortalece quando se reconhece nas histórias que lê e debate.
O momento mais marcante do ano aconteceu na segunda edição da Flipetrópolis, com a entrega do Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, da UBE/SP, à ativista antirracista e feminista Sueli Carneiro. A cerimônia contou com a presença das vencedoras anteriores Conceição Evaristo (2023) e Míriam Leitão (2024), que fizeram a entrega. A jornalista Flávia Oliveira foi a oradora, ao lado de Eliane Alves Cruz e Lívia Sant’Anna Vaz, em uma noite que reafirmou o diálogo entre literatura, filosofia e justiça social.
Inovação e literatura como ferramenta de reparação
O que talvez defina melhor 2025 para o Sempre Um Papo foi a forma como ampliou sua vocação sem perder o foco na literatura como instrumento de inclusão e educação. Projetos especiais ganharam destaque, indo além do entretenimento para atuar na reparação de desigualdades.
Em Paracatu, o projeto "Muros Invisíveis — Afroempreendedores" celebrou histórias de protagonismo afrodescendente. Já a iniciativa "Palavra Justa" avançou sobre um território muitas vezes negligenciado: as bibliotecas prisionais e programas de remição de pena pela leitura, em convênio com o DEPEN e a SejuspMG. O "Clube do Livro — Letramento Racial", coordenado por Madú Costa, insistiu na ideia de que a literatura afro-brasileira é um fundamento, e não um nicho.
A grande inovação do ano foi o projeto Sempre Um Papo — TCE Cultural, uma parceria que articula literatura, pensamento crítico e gestão pública, trazendo para o debate temas prioritários do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, com patrocínio da Copasa. Paralelamente, o Mondolivro, podcast diário sobre literatura, seguiu firme, provando que a constância também é uma forma de resistência cultural.
Infraestrutura para imaginar o outro
Enquanto muitos tratam a cultura como ornamento, o Sempre Um Papo, em 2025, reafirmou que cultura é infraestrutura. É uma das poucas capazes de produzir um milagre cotidiano: reunir desconhecidos para conversar e sair dali um pouco mais capaz de imaginar o outro. Em uma era de polarização e debates agressivos, essa conquista é monumental.
Em 2026, o projeto completa 40 anos. Não é um aniversário nostálgico, mas sim voltado para o futuro. O maior elogio que se pode fazer ao Sempre Um Papo é que, após quase quatro décadas, ele não parece cansado. Pelo contrário, encontrou uma nova forma de crescer sem perder sua alma. A literatura agradece. E o Brasil também, mesmo aquela parte que ainda não se deu conta.