
Não é todo dia que se vê o Rio Amazonas transformado em um tapete de barcos enfeitados, cheios de gente com o coração transbordando de fé. Mas foi exatamente isso que aconteceu em Óbidos, onde o Círio de Sant'Ana completou 171 anos de história - e que história!
A cidade, que já nasceu sob o signo da devoção (afinal, o nome vem da cidade portuguesa onde Sant'Ana é padroeira), parou. Mas parou mesmo. Quem passava pela orla no domingo, 13, viu de perto o que é tradição que se renova: mais de 200 embarcações acompanhando a imagem da santa pelas águas escuras do rio.
Fé que navega
"É difícil explicar pra quem nunca viu", conta Dona Maria, 72 anos, que não perde um círio desde os 15. "A gente sente algo aqui dentro" - e aponta pro peito com dedos enrugados pela idade, mas firmes na fé.
O cortejo começou cedo, como manda a tradição:
- Às 6h, missa na Matriz de Sant'Ana (aquelas paredes brancas que viram o rio há séculos)
- Depois, a imagem saiu em procissão terrestre - flores no chão, gente chorando
- E então... o momento mágico: a passagem para o barco que levaria a santa pelo rio
Os organizadores estimam que mais de 10 mil pessoas participaram - um número impressionante pra uma cidade de menos de 50 mil habitantes. E olha que nem todo mundo conseguiu embarcar! Muita gente acompanhou da orla, entre orações e cantorias que ecoavam na floresta.
Uma tradição que vem de longe
O que começou em 1854 como uma simples devoção de pescadores hoje é o maior evento religioso da região. E não é só fé - é identidade cultural, é memória viva. "Meu bisavô já participava", orgulha-se o pescador Raimundo, 58 anos, enquanto ajusta as flores no seu barco.
E tem detalhe que só quem é de Óbidos sabe: a rivalidade saudável entre os bairros pra ver quem faz o barco mais bonito. Este ano, dizem por aí que o pessoal do Lago do Juá levou a melhor - mas no ano que vem, tudo pode mudar.
No final do dia, quando o sol começou a se despedir sobre o rio, a imagem voltou pra igreja. Mas a sensação que ficou? Difícil descrever. Quem estava lá sabe: é daquelas coisas que a gente carrega pra sempre, feito lembrança de infância.