A mais recente polêmica envolvendo uma campanha publicitária no Brasil tem como protagonista a atriz Fernanda Torres. Ao estrelar um anúncio para a famosa marca de chinelos Havaianas, a artista fez uma declaração que gerou reação imediata. Ela sugeriu que as pessoas deveriam entrar no ano novo com os dois pés, e não apenas com “o pé direito”.
A fala, aparentemente inocente, foi interpretada por uma parcela conservadora do público como uma provocação política. Esse episódio, ocorrido em dezembro de 2025, reacendeu um debate antigo: o boicote a marcas por causa de percepções sobre seu posicionamento ideológico ou suas associações políticas.
O fenômeno do boicote político no Brasil
Longe de ser um caso isolado, a situação com a Havaianas se insere em um contexto amplo. No espectro político brasileiro, marcas de diversos setores já foram alvo de chamados para boicote nas redes sociais.
Empresas como Centauro, Havan, Riachuelo, Smart Fit, Bio Ritmo, Madero e Coco Bambu enfrentaram mobilizações online. O motivo foi a percepção, por parte de consumidores de esquerda, de que essas companhias ou seus donos apoiavam o então presidente Jair Bolsonaro ou tinham posicionamentos políticos alinhados a ele.
É importante notar que, em muitos desses episódios, a mobilização partiu principalmente de públicos online e consumidores individuais, e não de boicotes corporativos institucionalizados. No entanto, a repercussão nas redes sociais foi significativa.
O caso do chocolate Bis e Felipe Neto
Um dos exemplos mais emblemáticos no Brasil recente foi o envolvendo o chocolate Bis, da Lacta (Mondelēz Brasil). Em 2023, a marca lançou uma campanha com o influenciador digital Felipe Neto.
Por ser uma figura publicamente associada a posicionamentos contra o ex-presidente Bolsonaro e a pautas progressistas, sua participação foi interpretada por parte do público conservador como um ato político da empresa. A Mondelēz Brasil defendeu a escolha, afirmando que a decisão se baseou na relevância de Felipe Neto no universo gamer e de entretenimento, sem intenção de apoio político explícito.
A reação, porém, foi rápida. Perfis ligados à direita política incentivaram um boicote ao Bis e a outros produtos da Lacta. Hashtags como #BisNuncaMais ganharam força, com seguidores sendo convidados a parar de comprar o chocolate em protesto.
Casos internacionais: dos EUA à China
O fenômeno é global. Nos Estados Unidos, vários casos se tornaram emblemáticos da chamada “guerra cultural” transposta para o consumo.
- Bud Light (Anheuser-Busch): A cerveja sofreu um boicote massivo após uma campanha com uma influenciadora trans, desencadeando um movimento conservador contra a marca.
- Nike: A empresa foi alvo de protestos por incluir em uma campanha o jogador Colin Kaepernick, conhecido por se ajoelhar durante o hino nacional dos EUA em protesto contra a injustiça racial.
- Goya Foods: A marca de alimentos enfrentou a hashtag #BoycottGoya depois que seu CEO elogiou publicamente líderes políticos conservadores.
- Target e Doritos: A rede varejista Target sofreu boicotes por coleções do Mês do Orgulho LGBTQ+, enquanto a linha da PepsiCo foi alvo na Espanha por uma campanha com uma influenciadora trans.
Fora do eixo ocidental, a sueca H&M enfrentou retaliações e perdeu presença em plataformas chinesas após se posicionar contra alegações de trabalho forçado na região de Xinjiang. Já a Coca-Cola e o Walmart lidaram com boicotes de grupos latinos nos EUA por doações percebidas como apoio a campanhas conservadoras.
Conclusão: consumo na era da polarização
Os casos citados, do anúncio de Fernanda Torres para Havaianas ao boicote ao Bis, ilustram uma tendência crescente. As marcas, suas campanhas publicitárias e até a escolha de seus garotos-propaganda são cada vez mais lidas através de uma lente política.
Isso reflete um mundo onde a polarização ideológica transborda do debate político tradicional e invade o cotidiano do consumo. Para as empresas, o desafio é navegar em um ambiente onde qualquer ação de marketing pode ser interpretada como um posicionamento, desencadeando reações apaixonadas de apoio ou rejeição por parte de diferentes grupos de consumidores.
O episódio envolvendo a atriz brasileira mostra que, no Brasil e no mundo, a linha entre publicidade, cultura e política está mais tênue do que nunca, transformando o ato de comprar em um gesto potencialmente carregado de significado ideológico.