
Era para ser um daqueles domingos simples, sabe? Aquele programa corriqueiro que a gente nem valoriza direito. Anderson de Paula, 41 anos, motoboy há mais de uma década nas ruas de Campinas, havia acabado de sair de casa. O plano era básico e delicioso: encontrar os filhos para comer um pastel. Coisa de pai, coisa de família.
Mas o ordinário virou extraordinário numa fração de segundo. Por volta das 16h40, na Avenida John Boyd Dunlop, no Parque Industrial, o pescoço de Anderson encontrou o que nenhum trabalhador deveria encontrar: uma linha de pipa com cerol, esticada cruelmente através da via.
O impacto foi violento e silencioso. A linha, afiada como uma lâmina, cortou profundamente. Ele ainda tentou reagir, mas o ferimento era grave demais. Quem viu, não esquece. Testemunhas contaram que ele conseguiu sair da moto antes de desabar. A cena era de desespero.
O socorro veio rápido, mas já era tarde. O SAMU chegou, os bombeiros também. Fizeram de tudo, levaram correndo para o Hospital Municipal Dr. Mário Gatti. Mas não deu. Anderson não resistiu. O laudo não deixa margem para dúvidas: morte por hemorragia causada por corte no pescoço. Um detalhe técnico para algo tão brutalmente simples.
Não Foi Acidente. Foi Previsível.
Aqui é onde a coisa fica ainda mais revoltante. Isso não foi um 'azar'. Não foi um 'acidente' inexplicável do destino. A prática de usar cerol – essa mistura de cola com vidro moído – é velha conhecida das autoridades e uma ameaça constante. Todo mundo sabe do perigo. Todo verão a mesma história se repete.
E olha a ironia cruel: Anderson não estava trabalhando. Estava de folga. Estava justamente no seu momento de descanso, indo curtir os filhos. A moto era seu ganha-pão, mas também seu meio de locomoção para a vida. E foi a vida que ele perdeu.
A Polícia Civil abriu inquérito. Vão investigar, claro. Mas a pergunta que fica, ecoando na comunidade, é: quantos mais? Quantos mais têm que morrer para que isso seja tratado com a seriedade que merece? O cerol não é brincadeira de criança. É arma.
O Luto que Sobra
Para a família, resta um vazio impossível de preencher. A dor de um pai que saiu para um pastel e nunca voltou. A revolta de saber que isso poderia, e deveria, ter sido evitado.
Campinas está de luto mais uma vez. E a gente fica aqui pensando, naquele domingo qualquer, quantas outras linhas com cerol estavam esticadas por aí, invisíveis, esperando pela próxima vítima. É um silêncio que grita.