
O calor escaldante da tarde em Recife não era nada comparado ao fogo da indignação que tomou conta do escritório do Dr. Carlos Mendonça. Com as mãos trêmulas — não de medo, mas de raça —, o advogado acabara de protocolar uma queixa formal contra três policiais militares. O motivo? Uma operação de rotina que terminou em tragédia.
"Foi um tiro primeiro, pergunta depois", dispara o jurista, usando de trocadilho involuntário que soa como um soco no estômago. Naquela terça-feira, 15 de julho, um jovem de 22 anos — que segundo testemunhas não portava armas — foi atingido no peito durante uma abordagem no bairro de Boa Viagem.
Os fatos (ou a falta deles)
Segundo o relato dos PMs, o rapaz teria feito "movimentos bruscos". Mas as câmeras de segurança — ah, essas testemunhas silenciosas que nunca mentem — mostram uma sequência diferente: os policiais saltando da viatura já com armas em punho, gritos confusos, e então o estampido seco que ecoou na rua estreita.
- 17h34: Blitz inicia na Avenida Conselheiro Aguiar
- 17h36: Jovem é abordado por três PMs
- 17h38: Disparo é efetuado
- 17h45: Vítima chega sem vida ao hospital
"Isso não é protocolo, é faroeste", crava Mendonça, enquanto organiza pilhas de documentos que incluem laudos periciais e depoimentos colhidos a toque de caixa. A família do jovem — trabalhador braçal, pai de uma menina de 3 anos — aguarda respostas que parecem escorrer entre os dedos como areia fina.
O outro lado da moeda
Procurada, a assessoria da PMPE limitou-se a informar que "os agentes seguem em exercício" enquanto o caso é investigado pelo setor interno. Um silêncio que fala volumes. Enquanto isso, nas redes sociais, a hashtag #JustiçaParaRafael (nome fictício usado pela família) já ultrapassa 15 mil menções.
O caso reacende um debate antigo nas quebradas de Recife: até onde vai o direito de defesa dos agentes, e onde começa o abuso? Nas palavras de uma moradora que preferiu não se identificar: "A gente sabe que polícia precisa existir, mas será que precisa existir assim?"
Enquanto a burocracia roda seus engrenagens lentas, resta à família contar os dias — 47 até agora — sem respostas, sem corpo (retido para novos exames), e sem aquele que era o sustento da casa. O velório, dizem os vizinhos, foi rápido e discreto. Como se a morte por bala perdida — perdida de propósito — fosse algo para se esconder, não chorar.