Uma história de sobrevivência marcada por gritos desesperados e violência extrema vem à tona no Recife. Luísa Barros, de 55 anos, vítima de uma tentativa de feminicídio, relembra o momento em que foi espancada com um bastão de madeira pelo ex-marido, Numeriano Luiz de Sá, então secretário de Esportes e Lazer de Calumbi, no Sertão de Pernambuco.
O ataque brutal e o grito por socorro
A agressão ocorreu no dia 10 de dezembro, dentro do apartamento do casal, que vivia junto há 22 anos. Luísa, que faz tratamento contra um câncer no fígado, pediu ajuda ao companheiro, de 64 anos, para pegar uma caixa de remédios que havia caído embaixo da geladeira. Ao se abaixar, sentiu a primeira pancada.
"Quando eu me abaixei, que vou voltando, senti aquela pancada. Eu pensei que eu tinha levantado e batido no móvel", contou ela, inicialmente sem entender a situação. Em seguida, veio outro golpe, que a derrubou no chão. Foi quando ela viu Numeriano com um objeto de madeira nas mãos.
"Ele batendo, batendo. Eu gritei, eu gritei com toda a força que eu tinha na minha alma. Eu gritei para eu estar aqui hoje falando", desabafou Luísa, em entrevista concedida de seu leito no Real Hospital Português, no bairro do Paissandu, no Recife, onde está internada desde o dia do crime, sem previsão de alta.
O resgate pelo vizinho e a cena de horror
Os gritos de Luísa foram ouvidos por outros moradores do prédio. O jornalista Márcio Santos Silva, vizinho do andar de cima, foi quem correu para ajudá-la. "Os gritos [eram] muito intensos, pedidos de socorro", relatou Márcio. Após identificar a origem do barulho, ele se deparou com uma cena desesperadora.
"Estavam os dois no chão, Luísa toda ensanguentada. Ele [Numeriano] dizendo que ela tinha batido a cabeça, mas eu só lembro do olhar dela e das mãos estendidas", descreveu o jornalista. Luísa, ainda consciente, conseguiu alertar o salvador: "Não, não, não foi isso, foi ele. É ele que está fazendo isso comigo, me tire daqui".
Márcio a agarrou pelo braço e a carregou para fora do apartamento, sustentando suas pernas, já que ela não conseguia andar. A vítima chegou ao serviço de emergência quase duas horas após a agressão, chorando e sangrando.
Traumas físicos, psicológicos e a luta pela justiça
As consequências do ataque foram gravíssimas. Luísa sofreu múltiplas fraturas na cabeça e no rosto, quebrou o nariz e perdeu três dentes. Uma avaliação oftalmológica ainda será realizada para verificar se houve comprometimento da visão.
Além das lesões físicas, a vítima carrega traumas profundos. Sua advogada criminalista, Manuella Magalhães, revelou que Luísa já relatava sofrer violência psicológica, moral e verbal durante o relacionamento, atos que ela acabava "naturalizando".
O agressor, Numeriano Luiz de Sá, foi exonerado do cargo de secretário municipal após ser preso em flagrante por tentativa de feminicídio. Ele é sargento reformado da Polícia Militar. Por meio de nota, sua defesa pediu que o "histórico de integridade" do acusado seja considerado e solicitou "serenidade" para aguardar a conclusão do inquérito, evitando "julgamentos precipitados".
Luísa, agora recebendo apoio psicológico e jurídico, deixa um conselho doloroso, fruto de sua experiência: "Eu acho que, às vezes, o relacionamento acaba, e a gente permanece no relacionamento quando ele não existe mais. Aquela pessoa que você conheceu só está na sua imaginação... Se conseguir identificar, saia. Saia antes".
Onde buscar ajuda e como denunciar
No Recife, mulheres vítimas de violência podem buscar acolhimento em vários locais, incluindo o Centro de Referência Clarice Lispector, na Rua Doutor Silva Ferreira, 122, Santo Amaro, que funciona 24 horas.
As denúncias em Pernambuco podem ser feitas por vários canais:
- Disque 180 - Central de Atendimento à Mulher (24 horas).
- Disque 190 - Polícia Militar (em caso de crime em andamento).
- Disque-Denúncia da Polícia Civil no Grande Recife: (81) 3421-9595.
- Ouvidoria da Mulher de Pernambuco: 0800.281.8187.