O estado de São Paulo registrou uma média alarmante de duas tentativas de feminicídio por dia entre janeiro e outubro de 2024. Os números, divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP), mostram um cenário de violência crescente contra as mulheres.
Números que assustam: aumento de 112% em dois anos
De acordo com o levantamento, foram contabilizados 618 casos de tentativa de feminicídio nos primeiros dez meses do ano. Este valor representa mais que o dobro do registrado no mesmo período de 2023, quando houve 291 ocorrências. Na comparação dos últimos dois anos, o aumento chega a 112%.
É importante destacar que casos recentes e extremamente violentos, que chocaram o país no final do ano, não estão incluídos nessa estatística. Isso porque aconteceram em novembro e dezembro, fora do período analisado. A contagem considera o sexo da vítima e se enquadra na definição legal de feminicídio, que ocorre quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo pela condição de mulher.
O perfil da violência e a subnotificação
A violência contra a mulher no Brasil possui características marcantes. Uma pesquisa nacional realizada pelo DataSenado em parceria com a Nexus revela que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Quando questionadas sobre o vínculo com o agressor, a resposta é ainda mais preocupante: 70% das vítimas afirmaram que o agressor é o atual marido, companheiro ou namorado. Outros 11% apontaram o ex-parceiro.
O ciclo de violência é perpetuado, em parte, pela subnotificação. A mesma pesquisa mostra que menos da metade das vítimas denunciou o agressor às autoridades. Além disso, 62% não solicitaram medida protetiva, um instrumento crucial da Lei Maria da Penha que pode afastar o agressor e oferecer proteção imediata. Os pedidos de medida protetiva são analisados pela Justiça em até 48 horas.
Cultura, redes sociais e a dificuldade de romper o ciclo
Para a advogada Mayra Cotta, especialista em gênero, o aumento da violência não é um fenômeno isolado. "Nenhum agressor comete um feminicídio porque um dia ele acorda e decide fazer isso. Ele está inserido numa cultura que, de alguma forma, o legitima e o incentiva a fazer isso", explica. Segundo ela, discursos misóginos, que reduzem a humanidade das mulheres e as tratam como inferiores, são parte do problema.
Cotta também chama a atenção para o papel das redes sociais. "A verdade hoje é que a misoginia é muito lucrativa dentro das plataformas. Produtores de conteúdo crescem e ganham seguidores fazendo esses discursos", alerta. Ela afirma que, enquanto promover o ódio contra as mulheres for lucrativo e permitido, será difícil combater a raiz do problema.
A especialista ainda reflete sobre a complexidade emocional que cerca a vítima. "É uma condição muito peculiar a nós, mulheres, sermos vitimadas por pessoas que um dia a gente amou", diz. Ela questiona como homens conseguem ser violentos com mulheres que dizem amar e destaca que a saída de um relacionamento abusivo é dificultada por uma série de fatores, como falta de recursos emocionais, psicológicos, financeiros ou de apoio familiar.
Mayra Cotta finaliza com um questionamento estrutural: a questão não deve ser apenas por que as mulheres têm tanta dificuldade de sair, mas como os homens têm tanta facilidade em promover relacionamentos abusivos. Os dados de São Paulo servem como um triste retrato de uma epidemia que exige ações urgentes de prevenção, proteção e mudança cultural.