O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) deu um passo crucial no combate à violência contra as mulheres com o lançamento de um programa integrado de enfrentamento à violência doméstica. A iniciativa, anunciada na última segunda-feira (24), busca unir esforços do Poder Judiciário e dos órgãos de segurança pública estadual.
Números alarmantes da violência
Os dados revelam uma situação grave no estado. De acordo com a plataforma IntegraJus Mulher, que reúne informações da Secretaria de Justiça e Segurança Pública e do Poder Judiciário, 18.508 ocorrências de violência doméstica foram registradas este ano em Mato Grosso do Sul. O cenário mais sombrio aparece nos registros de feminicídio: 37 agressões terminaram em morte de mulheres, fazendo de 2025 o terceiro ano com mais feminicídios no estado desde 2015.
Meta urgente: 48 horas para medidas protetivas
Uma das prioridades do novo programa é garantir que todas as medidas protetivas de urgência sejam analisadas e cumpridas em até 48 horas. A agilidade é fundamental para proteger mulheres em situação de risco iminente.
Desde janeiro, o estado já registrou quase 14 mil pedidos de medida protetiva. Desse total, mais de 12.200 foram concedidos pela Justiça, representando uma média de 39 medidas por dia. Para acelerar ainda mais o processo, o TJMS ampliou o uso do pedido eletrônico, disponível em todas as comarcas desde abril.
A desembargadora Jaceguara Dantas explica que o sistema digital torna a resposta mais ágil: "Através de um clique, esse pedido vai diretamente para o gabinete da magistrada e volta com a determinação da concessão". A eficiência do método já aparece nos números: 7.923 solicitações foram apresentadas digitalmente.
Caso Vanessa Ricarte: um alerta para mudanças
O lançamento do programa integrado acontece dentro da campanha mundial "21 Dias pelo Fim da Violência contra as Mulheres" e representa uma resposta direta da rede de proteção após a morte da jornalista Vanessa Ricarte. Ela foi assassinada pelo ex-companheiro em fevereiro, em um caso que ganhou repercussão nacional ao expor falhas no sistema de proteção.
O que torna o caso ainda mais chocante é que Vanessa tinha medida protetiva e procurou a Delegacia da Mulher horas antes do crime, mas enfrentou dificuldades no atendimento. Em áudios enviados a uma amiga, ela relatou sua experiência: "Eu tô bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira. Eu, que tenho toda instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira. Imagine uma mulher vulnerável, sem rede de apoio nenhuma. Essas que são mortas, essas que vão para a estatística do feminicídio".
Falha coletiva e necessidade de ações integradas
Para a magistrada Jaceguara Dantas, cada morte por feminicídio representa uma falha coletiva: "É um fenômeno cultural, complexo, multifacetado e que infelizmente não tem tempo curto para acabar. É importante o empenho de todos os órgãos públicos, privados e da sociedade para erradicar a violência contra a mulher".
A pesquisadora em direitos humanos Estela Scandola reforça que o combate ao feminicídio exige múltiplas frentes: "Não é possível enfrentar o feminicídio com apenas uma ação. Não é só a campanha, não é só a educação. É valorizar as organizações de mulheres, garantir acolhimento rápido e resolutivo, integrar saúde, educação, segurança e Justiça. É preciso uma complexidade de ações".
A urgência do tema se mantém: somente neste mês, sete mulheres foram vítimas de feminicídio em Mato Grosso do Sul, mostrando que a luta contra a violência doméstica continua sendo uma batalha diária e necessária.