Um homem condenado por manter sua companheira em cárcere privado durante mais de cinco anos foi preso novamente nesta quinta-feira (27) em Itaperuçu, na Região Metropolitana de Curitiba. Jean Machado Ribas, de 23 anos, havia sido solto apenas uma semana antes, na quinta-feira (20), gerando temor na vítima.
O ciclo de violência e a reação da vítima
Após tomar conhecimento da soltura do agressor, a mulher que sofreu anos de cárcere privado revelou à RPC que estava com medo e começou a se sentir "presa" novamente, temendo sair de casa e ser localizada por Jean. O caso original veio à tona no dia 14 de março, quando a vítima foi resgatada junto com seu filho de quatro anos.
O resgate só foi possível depois que a mulher enviou um e-mail com pedido de socorro para a Casa da Mulher Brasileira. Dias antes, ela já havia tentado buscar ajuda através de um bilhete entregue em um posto de combustíveis.
Erro na dosimetria da pena
A nova prisão ocorreu após o Ministério Público do Paraná (MP-PR) recorrer da decisão que libertou o condenado. O órgão pediu a reforma da sentença que havia condenado Jean à pena de seis anos e 22 dias de reclusão, mais um ano e 12 dias de detenção.
No recurso, o MP apontou um erro grave na dosimetria da pena aplicada ao crime de descumprimento de medidas protetivas. Conforme a denúncia do Ministério Público, a Justiça aplicou uma sanção de apenas três meses para esse crime, desconsiderando uma lei federal que prevê mínimo de dois anos de reclusão.
"Com a reformulação da dosimetria da pena que se espera, haverá um incremento significativo da pena final, que deverá ultrapassar dez anos, e o regime para início do cumprimento da reprimenda será o fechado", afirmou o MP em seu recurso.
Crimes cometidos durante cinco anos
A sentença inicial reconheceu que Jean Machado Ribas praticou cinco crimes diferentes durante o período de mais de cinco anos:
- Cárcere privado comprovado pelo isolamento da vítima, restrição de locomoção e vigilância por câmeras
- Violência psicológica pelas humilhações praticadas, controle e ameaça à vítima
- Lesão corporal por um hematoma causado no braço da vítima
- Ameaça por pelo menos três relatos que demonstram risco concreto e terror psicológico
- Descumprimento de medidas protetivas porque Jean tentou manter contato com a vítima
O documento judicial destacou que os crimes foram praticados na presença do filho do casal, que tinha apenas três anos na época. A sentença também considerou circunstâncias atenuantes, como o fato de o réu ser primário e ter bons antecedentes.
Descumprimento de medidas protetivas
Um dos aspectos mais graves do caso foi o descumprimento das medidas protetivas por parte de Jean. Enquanto estava foragido, ele enviou para a vítima fotos do local onde ela estava escondida.
"Que aconteceu por duas vezes, de ele dizer para ela: 'Ó, eu estou te vendo, eu sei onde você está', e encaminhar as fotos para ela em visualização única, para que ela temesse realmente que ele estaria por perto", relatou uma testemunha durante o processo.
O homem também enviou mensagens para a vítima tentando uma reaproximação, mesmo estando expressamente proibido de fazer contato pela Justiça.
Debate sobre o sistema prisional
Na justificativa para revogar a prisão de Jean, a Justiça afirmou que a "ordem pública não se encontra mais abalada a ponto de justificar a manutenção da prisão processual" e citou a "situação gravíssima dos presídios deste estado, nos quais a superlotação e a insuficiência estrutural são frequentes".
Entretanto, o secretário de Segurança Pública do Paraná, Hudson Leôncio Teixeira, questionou essa justificativa. Ele afirmou que a pasta não foi consultada sobre a existência de vagas e que nenhuma ordem judicial deixou de ser cumprida por falta de espaço no sistema prisional paranaense.
"Não nos foi perguntado a existência de vagas, mas nós estamos à disposição, tanto para o semiaberto – em que ele permanece durante a noite numa unidade prisional –, quanto com a possibilidade de utilização de tornozeleira", declarou Hudson.
Violência de gênero não termina com a sentença
Gisele Maestrelli, presidente da Comissão de Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná (OAB/PR), destacou que a decisão que soltou Jean seguia a lei, mas não considerava a importância do acompanhamento da vítima.
"A gente vê que a violência de gênero ela não termina com a sentença. Por exemplo, nesse caso, quando o agressor foi liberado, sem que houvesse acompanhamento efetivo, a vítima continua vulnerável. É importante a gente entender que a condenação não encerra o ciclo da violência", afirmou Maestrelli.
Para a especialista, o caminho é o acompanhamento social e psicológico, além de monitoramento efetivo, para compor um ambiente maior de segurança para a vítima e evitar revitimização.
"A responsabilidade penal é só uma parte do processo. O Estado precisa estar presente depois da sentença, porque é justamente nesse momento que muitas mulheres têm mais medo e se veem mais vulneráveis", completou.
O g1 tenta contato com a defesa de Jean Machado Ribas para obter posicionamento sobre o caso.