
Imagine acordar antes do amanhecer todos os dias para trabalhar em um lugar onde o teto pode desabar a qualquer momento. Essa é a realidade crua que dezenas de feirantes enfrentam no Mercado Elias Mansour, no coração de Rio Branco. A promessa de renovação parece mais uma miragem distante do que um projeto em andamento.
Trinta e cinco por cento. Esse número magro traduz o ritmo dolorosamente lento das obras que deveriam revitalizar o espaço. Enquanto isso, os comerciantes — aqueles que mantêm viva a alma do lugar — segurem na corda bamba, equilibrando-se entre a esperança e o desespero.
O palco do abandono: um dia típico no mercado
Andar pelos corredores do Elias Mansour é testemunhar uma batalha silenciosa. Goteiras insistentes cortam o silêncio da madrugada. A falta de ventilação transforma o ambiente num forno improvisado sob o calor acreano. E o cheiro? Ah, o cheiro é uma mistura azeda de produtos frescos e mofo, um testemunho pungente dos anos de negligência.
"A gente vai tocando como dá", confessa uma vendedora de hortaliças, com as mãos calejadas e um cansaço que vai além do físico. "Mas é difícil vender qualidade num lugar que grita abandono."
O que dizem os números (além dos 35%)
O contrato de R$ 4,7 milhões assinado em 2022 parecia uma luz no fim do túnel. Dinheiro público destinado a devolver a dignidade a um espaço que é mais que um ponto comercial: é um pedaço da história da cidade. Mas os meses escorreram como água entre os dedos, e as estruturas metálicas oxidadas continuam lá, mudas e paralisadas.
A Secretaria de Infraestrutura do Estado (Seinfra) emitiu uma daquelas notas cheias de juridiquês e promessas vagas. Falam em "retomada dos trabalhos", em "aprimoramento do projeto executivo" — mas e os feirantes? Esses continuam com os pés no chão úmido e o futuro por um fio.
O lado humano da equação
Não são apenas números num relatório governamental. São famílias inteiras que dependem daqueles boxes improvisados. São sonhos que murcham junto com as mercadorias em meio à umidade. Gerações de comerciantes que viram o mercado nascer, envelhecer e definhar sem os cuidados necessários.
"Meu pai trabalhou aqui toda a vida", compartilha um jovem que herdou o box de artigos regionais. "Ele acreditava neste lugar. Agora, me pergunto se vou poder seguir o mesmo caminho."
Um futuro incerto à vista
Enquanto a burocracia gira suas engrenagens lentas, a vida real segue seu curso. Os feirantes desenvolvem suas próprias soluções — plásticos para cobrir as goteiras, ventiladores improvisados, caixas empilhadas para proteger as mercadorias da umidade. São gestos de resistência cotidiana, quase invisíveis, mas profundamente heroicos.
O Mercado Elias Mansour sobrevive não por causa do poder público, mas apesar dele. Sua pulsação teimosa é um testemunho da resiliência acreana — daquela capacidade incrível de seguir em frente mesmo quando as circunstâncias sussurram para desistir.
Restam as perguntas que ecoam nos corredores úmidos: Quando a reforma realmente sairá do papel? Quantas estações chuvosas ainda precisarão ser enfrentadas sob telhas furadas? E até quando a paciência desses trabalhadores irá aguentar?
As respostas, assim como a reforma completa, parecem estar perdidas em algum lugar entre a promessa e a realidade.