O Ministério da Justiça e Segurança Pública realizou, ao longo deste ano, o bloqueio do acesso de aproximadamente 60 mil usuários ao Córtex, sistema federal que serve como base para as ações de inteligência das polícias em todo o Brasil. A medida, segundo a pasta, teve como foco principal perfis considerados inativos. A informação foi obtida por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Detalhes da operação e panorama atual do sistema
De acordo com a resposta ministerial, cerca de 38 mil cadastros permanecem habilitados para utilizar a plataforma. O Córtex funciona como uma ferramenta que permite a agentes autorizados realizar buscas por informações de pessoas, veículos e câmeras de segurança a partir de um site do ministério. Seus dados também alimentam sistemas locais, como o Smart Sampa, da prefeitura de São Paulo.
O governo e a Polícia Federal investigam supostas irregularidades no uso do sistema. Um dos casos em apuração envolve o uso de 70 milhões de CPFs para realizar mais de 213 milhões de consultas por meio de contas vinculadas ao governo do estado do Rio de Janeiro. Documentos internos do ministério não só reconhecem falhas na plataforma, como indicam que ela deve ser substituída já no próximo ano.
Auditorias e justificativa para os bloqueios
Desde o início de 2024, foram conduzidas perto de 2.000 auditorias no Córtex. O ministério afirma que essas apurações "resultaram no bloqueio de perfis inativos, especialmente aqueles sem acesso ao sistema por período superior a 90 dias". A pasta também ressalta que os bloqueios não estão vinculados a um único órgão, estado ou caso específico, sendo uma ação de saneamento geral.
Relatórios internos revelam que o sistema tem capacidade de acessar cerca de 26 mil câmeras em território nacional, parte delas com tecnologia para leitura automática de placas de automóveis. Em nota oficial, o Ministério da Justiça esclareceu que mantém "acesso ativo a aproximadamente 10 mil locais", estando os demais pontos inativos conforme parâmetros técnicos operacionais.
Futuro do sistema e investimentos planejados
A plataforma, que teve seu uso regulamentado em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro, está com os dias contados. O plano é substituí-la por uma nova solução, referida internamente como "PIN" ou "projeto Data Lake". Trata-se de uma plataforma integrada de segurança pública baseada em arquitetura de big data, desenhada para processar grandes volumes de informação e gerar subsídios para inteligência, fiscalização e defesa nacional.
Para essa implantação, a previsão é de um investimento total de cerca de R$ 31,5 milhões. Os pagamentos começaram em 2024, com previsão de repasses de R$ 8,1 milhões em 2026 e valor idêntico no ano seguinte.
Debates sobre privacidade e novas funcionalidades
A estratégia de centralizar um volume massivo de dados em uma única plataforma gera questionamentos sobre privacidade e riscos de vazamento. Especialistas, como Pedro Saliba, da Data Privacy Brasil, apontam falta de transparência no desenvolvimento das novas soluções e nos resultados das auditorias do Córtex.
Embora documentos internos da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência citem a incorporação futura de tecnologias como inteligência artificial, machine learning e reconhecimento facial e de voz, integrantes do ministério afirmam que essa adoção ainda requer um amplo debate público e não deve ocorrer de imediato no substituto do Córtex. Saliba lembra que uma portaria do próprio ministério proíbe o uso de IA para identificação biométrica à distância em tempo real em espaços públicos, salvo exceções.
Em resposta às críticas, o Ministério da Justiça emitiu nota reforçando que o Córtex "não é um sistema de vigilância" e não realiza monitoramento de cidadãos. A pasta afirma que a plataforma atua apenas como integradora de dados alfanuméricos já existentes e autorizados, operando com rigorosos controles de acesso, auditoria e governança.