A Câmara dos Deputados iniciou uma operação de caça a servidores fantasmas, mas a iniciativa pode estar punindo justamente as vítimas de um esquema de contratações ilegais no Parlamento. A Casa enviou notificações para que ex-funcionários devolvam recursos recebidos durante períodos em que estariam lotados em gabinetes de deputados sem comprovação de trabalho.
Vítimas notificadas para pagar milhões
Quatro ex-funcionárias foram recentemente intimadas a ressarcir R$ 1,7 milhão aos cofres públicos. Entre os casos está o de Enimedes Oliveira, uma idosa de 66 anos que recebeu uma notificação para devolver R$ 382 mil referentes à suposta ausência de trabalho no gabinete do ex-deputado Adalberto Cavalcanti (Avante-PE), que deixou o Parlamento em 2019.
Segundo processo judicial, Enimedes foi vítima de fraude. Ela nem sabia que estava lotada num gabinete na Câmara, conforme relatou sua advogada, Vandira Campani. A idosa foi procurada por uma vizinha, assessora do deputado, que pediu para ela assinar procurações e abrir contas bancárias.
A advogada revelou que já conseguiu a condenação do deputado Adalberto e de uma assessora por contratação irregular, mas o caso está há três anos no Supremo Tribunal Federal aguardando julgamento.
Mais vítimas no mesmo esquema
Outra vítima na mesma situação é Juliana Santos, que também foi lotada no gabinete do ex-deputado Adalberto Cavalcanti e foi notificada a devolver R$ 456 mil à Câmara. Além dela, Eunice Moreira recebeu cobrança de R$ 631 mil, e Marluce Santos foi intimada a pagar R$ 235 mil por suposta ausência de trabalho no gabinete do ex-deputado Roberto de Lucena (Republicanos-SP).
A iniciativa da Câmara, batizada informalmente de operação caça fantasma, está sob a responsabilidade do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). A medida foi anunciada em 30 de novembro de 2025 como parte dos esforços para combater irregularidades no Parlamento.
Posicionamento da Câmara
Em resposta a questionamentos, a assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados informou que os servidores que cometem irregularidades são cobrados administrativamente pela instituição. Caso a cobrança não tenha êxito, o nome do funcionário é inscrito na dívida ativa.
A Câmara ressaltou que os processos são sigilosos, limitando a transparência sobre os critérios utilizados para as cobranças. A medida, embora justificada como necessária para o combate a fraudes, pode estar penalizando pessoas que foram vítimas de esquemas de contratação ilegal sem qualquer conhecimento ou participação.
A situação expõe a complexidade do problema das contratações irregulares no Congresso e levanta questões sobre a eficácia e justiça dos métodos adotados para resolver a questão.