TCP em expansão: facção do Rio alia-se ao GDE no Ceará e amplia narcopentecostalismo
Facção TCP se expande pelo Brasil e chega ao Ceará com aliança

Em uma operação realizada no dia 11 de março, agentes da Polícia Militar do Rio de Janeiro derrubaram do alto de uma caixa d'água uma enorme estrela de Davi de neon que brilhava em Parada de Lucas, na Zona Norte da cidade. O símbolo marcava o território do chamado Complexo de Israel, conjunto de cinco comunidades dominadas pelo Terceiro Comando Puro (TCP). A ação, mais simbólica do que prática, não impediu a expansão da facção, que nos últimos anos tem se destacado pela presença de traficantes que se declaram evangélicos.

Expansão nacional e a chegada ao Nordeste

Conforme relatado pelo coordenador-geral de análise de conjuntura nacional da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Pedro Souza Mesquita, em novembro, o TCP vive um momento de franca expansão. No último ano, a facção ultrapassou os limites do Rio de Janeiro e estabeleceu presença em nove estados, incluindo Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Bahia e, mais recentemente, o Ceará.

No estado nordestino, a estrela de Davi, marca do grupo, começou a aparecer há cerca de três meses em cidades como Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, acompanhada de pichações com mensagens religiosas. O delegado-geral da Polícia Civil do Ceará, Márcio Gutiérrez, confirmou que a presença do TCP foi identificada pelas autoridades em setembro, mês em que 37 membros do grupo foram presos somente na região metropolitana.

Aliança estratégica com facção local

A entrada do TCP no Ceará seguiu um padrão comum na expansão do crime organizado: a aliança com uma facção local. No caso, o parceiro foi o Guardiões do Estado (GDE), grupo que ficou conhecido por sua extrema violência e que, após intensa repressão policial e a prisão de líderes, entrou em declínio.

"Esse é o movimento padrão de expansão das facções criminosas, que é de incorporação dos grupos locais", explica Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF. A aliança teria sido costurada a partir da migração de lideranças do GDE para o Rio de Janeiro, onde estabeleceram contato com chefes do TCP.

Márcio Gutiérrez afirma que a polícia monitora as consequências dessa união. "Temos feito diversas capturas e compreendido o método [de atuação da facção]", disse o delegado-geral, ressaltando o papel fundamental das lideranças na orientação das novas formas de atuação e financiamento.

Características e riscos de mais violência

Pesquisadores apontam características distintivas do TCP, além do viés religioso. A facção mantém uma relação menos conflituosa com a polícia no Rio, formou uma aliança estratégica com o Primeiro Comando da Capital (PCC) – o que amplia seu acesso a redes internacionais – e pratica crimes comuns a milícias, como a extorsão, modalidade que tenta replicar em outros estados.

O principal rival do TCP é o Comando Vermelho (CV), facção da qual é dissidente desde 2002. O temor de especialistas é que a chegada do TCP ao Ceará intensifique a disputa por territórios e eleve os já alarmantes índices de violência. O estado, que tem três cidades entre as dez mais violentas do país, viu sua taxa de homicídios recuar nos últimos anos, mas a dinâmica pode mudar.

"Eu acho que sempre há risco", avalia Luiz Fábio Silva Paiva, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC. "Vai depender muito da movimentação entre os grupos e do próprio Estado." Episódios recentes, como o fechamento temporário de escolas em Fortaleza devido a tiroteios e a criação de um "vilarejo-fantasma" em Morada Nova após expulsão de moradores, indicam que a violência entre facções permanece ativa.

O fenômeno do narcopentecostalismo

A identidade religiosa do TCP é um reflexo do crescimento das igrejas neopentecostais no Brasil. Especialistas chamam esse fenômeno de "narcopentecostalismo". Christina Vital da Cunha, pesquisadora da UFF, observa que, nas comunidades cariocas, símbolos de religiões de matriz africana foram gradualmente substituídos por imagens e mensagens cristãs nas paredes, acompanhando a mudança no perfil religioso de alguns traficantes.

No caso do TCP, a religião foi além da escolha individual e se tornou parte da identidade do grupo. "Notavelmente, as facções narcopentecostais se utilizam do discurso religioso para legitimar a expansão dos seus territórios e nos confrontos com outras facções", destaca Kristina Hinz, pesquisadora da Uerj. O combate a inimigos, como o CV, é enquadrado como uma "guerra espiritual".

A violência é justificada por uma retórica de purificação e combate ao mal. Paiva, da UFC, observa que, embora o TCP não pratique uma "teologia profunda", a religião serve como um forte elemento de coesão e motivação ideológica dentro do grupo. O último censo carcerário do Ceará mostrou que 43,2% dos presos se declaram evangélicos, indicando um terreno fértil para esse discurso.

Enquanto isso, a figura do chefe do TCP no Complexo de Israel, Álvaro Malaquias Santa Rosa, o "Peixão", de 39 anos, permanece envolta em mistério. Nunca preso, sua suposta conversão ao evangelho é alvo de versões diversas, e seu luxuoso imóvel, erguido em área de proteção ambiental, foi demolido na mesma operação que derrubou a estrela de Davi. Sua história personifica os enigmas e a complexa fusão entre crime, poder e fé que marca a expansão da facção.