Operação revela sofisticação do tráfico internacional
Uma investigação do Departamento de Investigação sobre Entorpecentes (Denarc) resultou na apreensão de aproximadamente 40 quilos de "cocaína negra" em uma mansão de luxo localizada no bairro Ponta Negra, em Manaus. A droga, uma variação modificada da cocaína tradicional, foi especialmente desenvolvida para ser quase indetectável por cães farejadores e testes rápidos.
De acordo com o delegado Rodrigo Torres, diretor do Denarc, a residência chamou atenção por servir como "base para guarda e distribuição de drogas". A propriedade, que conta com campo de futebol e heliporto, era, nas palavras do delegado, "a princípio, acima de qualquer suspeita".
Como a droga foi descoberta
A operação policial começou no dia 17 de outubro, quando os agentes realizaram a primeira abordagem à mansão. Inicialmente, foram encontrados 16 quilos de cocaína branca tradicional. Porém, o elemento crucial da investigação surgiu com a apreensão de um caderno de anotações do tráfico.
O material, examinado posteriormente na delegacia, continha registros que mencionavam especificamente: "40 quilos, 42 quilos dentro de cadeiras e de quadros". Esta pista levou os policiais a retornarem ao local com cães farejadores, mas os animais não detectaram a presença das substâncias.
"O cão farejador passou e também não percebeu que se tratava aí de cocaína", revelou o delegado Torres. Diante do resultado negativo, os investigadores decidiram examinar manualmente móveis e quadros, descobrindo a droga escondida em fundos falsos dos objetos.
O mistério da cocaína que engana testes
Mesmo após a descoberta, o material apreendido não reagiu aos testes preliminares, gerando dúvidas sobre sua natureza. "No teste preliminar, como já era esperado, deu negativo. Mas no exame mais aprofundado foi constatado que tratava-se de cocaína, sim", explicou Torres.
A perita criminal Midori Hiraoka esclareceu em laboratório o motivo pelo qual a cocaína preta consegue enganar tanto cães quanto testes químicos. Segundo ela, os traficantes "modificam quimicamente" a substância, adicionando carvão ativado e outros corantes.
Estas substâncias "formam um complexo" que impede a reação química que gera a cor azul característica do teste tradicional e também mascara o odor da droga, tornando-a praticamente invisível aos métodos convencionais de detecção.
Valor e rota do entorpecente
Segundo o Delegado-Geral Bruno Fraga, essa "engenharia criminosa" torna o entorpecente de difícil detecção e, consequentemente, muito mais valioso no mercado ilegal. O valor da cocaína negra pode chegar a ser até 10 vezes mais caro do que a cocaína convencional.
A investigação aponta que a droga teve origem no Peru e tinha como destino provável a Austrália, seguindo a chamada "Rota do Solimões". Este caminho corta a Amazônia a partir da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
Vinícius Almeida, Coronel de Polícia Militar e Secretário de Segurança do Amazonas, destacou que em 2024, 43,2 toneladas de drogas foram apreendidas na região, um recorde histórico. Até o momento deste ano, a marca de apreensões já atingiu 39 toneladas.
Envolvidos e defesas
Na operação que encontrou a cocaína negra, a polícia prendeu o casal de caseiros: German Alonso Pires Rodrigues e Jeyme Farias Batalha, ambos peruanos. German trabalha para a proprietária do imóvel há mais de 10 anos.
A dona da mansão é Liege Aurora Pinto da Cruz, também peruana, de 74 anos. Ela não estava no Brasil no dia da ação policial e continua fora do país. Em nota, sua defesa informou que ela se colocou à disposição das autoridades para contribuir com as investigações.
A defesa de Liege alegou que ela frequentava a casa "de maneira esporádica aos finais de semana" e que o local onde os entorpecentes foram encontrados seria um "anexo destinado a moradia do caseiro".
Os advogados de German e Jeyme disseram ter feito um requerimento para um novo depoimento do casal, mas não comentaram especificamente sobre as drogas encontradas na propriedade.