Alto Solimões vira rota internacional do tráfico entre CV e PCC
Alto Solimões: rota internacional do tráfico de drogas

Uma recente investigação divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que a região do Alto Solimões, no sudoeste do Amazonas, se transformou em um dos principais corredores do tráfico internacional de drogas na Amazônia. O estudo Cartografias da Violência na Amazônia, publicado nesta quarta-feira (19), aponta a forte atuação e disputa territorial entre duas das maiores facções criminosas do país: o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Reconfiguração do crime organizado

A atual disputa entre CV e PCC no Alto Solimões é resultado direto da reestruturação do crime organizado no Amazonas. A Família do Norte (FDN), que chegou a dominar o sistema prisional e o tráfico regional, foi praticamente exterminada após uma série de massacres, prisões e rupturas internas.

Com o enfraquecimento da facção local, o Comando Vermelho iniciou sua expansão sobre áreas estratégicas a partir de 2018, assumindo rotas que antes eram controladas por seus antigos aliados. Esse movimento abriu caminho para um confronto silencioso com o PCC, que busca ampliar sua presença sobre as rotas internacionais que passam pela tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.

Panorama social e territorial

A região do Alto Solimões concentra 281 mil habitantes, sendo que 54% são indígenas. Os índices de vulnerabilidade social são alarmantes: mais de 80% da população está inscrita no CadÚnico e 64,7% recebe Bolsa Família.

A dependência do setor público é dominante na economia local, com apenas 12,8% das pessoas acima de 14 anos ocupadas - um índice quatro vezes menor que a média nacional. O território possui ainda 56% de sua área dentro de Terras Indígenas já homologadas.

Estratégias das facções

O estudo detalha como cada facção opera na região:

O Primeiro Comando da Capital (PCC) se aproveita de pistas de pouso em garimpos ilegais e também de áreas localizadas dentro de unidades de conservação, ampliando o acesso a rotas terrestres e aéreas.

Já o Comando Vermelho (CV) mantém hegemonia nas rotas fluviais, especialmente no eixo do Rio Solimões, utilizando a circulação natural do rio para transportar cargas ilícitas e reforçar seu domínio territorial.

Municípios sob pressão

O estudo destaca dinâmicas específicas em cada cidade do Alto Solimões:

  • Tabatinga concentra a maior parte da população e faz fronteira seca com Letícia (Colômbia), sem controle migratório. Em 2024, registrou 31 das 52 mortes violentas da região
  • Benjamin Constant funciona como eixo entre Tabatinga e Atalaia do Norte, com circulação intensa de embarcações e jovens considerados alvos fáceis de aliciamento
  • Atalaia do Norte tem território amplo, marcado por rotas florestais usadas pelo tráfico e aumento da movimentação noturna de lanchas
  • São Paulo de Olivença é ponto intermediário do fluxo do Solimões, com registros de abordagens armadas a embarcações

Fronteira porosa e logística criminal

A fronteira seca entre Tabatinga e Letícia é descrita como completamente aberta: pessoas, motos, carros e mercadorias cruzam livremente, facilitando o transporte de drogas, armas e valores. Do lado peruano, localidades como Caballococha e Bellavista produzem pasta base; do lado colombiano, as plantações se concentram nas bacias dos rios Içá e Japurá.

Todas as rotas convergem para o Solimões, de onde a droga segue para Manaus e outras regiões do país. A confluência geográfica, porosa e praticamente sem fiscalização transforma o Alto Solimões em porta de entrada da pasta base produzida nessas áreas do Peru e da Colômbia.

Crimes ambientais financiam narcotráfico

Autoridades relataram que as facções atuam em múltiplas frentes ilegais:

  • Garimpo ilegal financiado com dinheiro do tráfico
  • Uso de ouro como moeda para compra de pasta base
  • Extração ilegal de madeira, legalizada em serrarias peruanas
  • Pesca predatória

Conforme o estudo, essas atividades fortalecem a economia paralela que sustenta o narcotráfico e amplia o domínio territorial das facções.

Resposta das autoridades

Em nota ao g1, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) afirmou que mantém ações contínuas de combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas em todo o estado. O órgão destacou o recorde de apreensões de drogas em 2024, com 43,2 toneladas retiradas de circulação, e citou investimentos em estrutura, tecnologia e efetivo das forças policiais.

A secretaria reforçou que as operações seguem fortalecidas em Manaus e no interior, com fiscalização intensificada de embarcações no Alto Solimões.