Ceará registra 219 expulsões de famílias por facções em 20 meses
219 famílias expulsas por facções no Ceará

Expulsão de famílias se torna prática comum no Ceará

Um relatório alarmante do Núcleo de Inteligência da Polícia Civil do Ceará revela que 219 famílias foram expulsas de suas residências por ordens de facções criminosas entre janeiro de 2024 e setembro de 2025. Os dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública classificam esses casos como "deslocamentos forçados", uma prática que vem se expandindo rapidamente no estado.

Evolução do crime organizado no Ceará

Em entrevista exclusiva, Artur Pires, professor da Universidade Estadual do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC, traçou um panorama histórico preocupante. Segundo o especialista, o Estado demonstra "incapacidade para garantir segurança e proteção aos seus cidadãos", falhando no contrato social básico.

Pires detalhou que a criminalidade no Ceará passou por transformações profundas ao longo das décadas. Tudo começou com gangues de rua que atuavam em bailes funks entre os anos 80 e 90. Com a proibição desses eventos no final dos anos 90, parte desses jovens migrou para torcidas organizadas e outros para as "quadrilhas territoriais".

O ano de 2015 marcou uma virada decisiva, quando as grandes facções nacionais começaram a ocupar as periferias de forma ostensiva. "Antes de 2015, você não escutava em periferias de Fortaleza que essa periferia é de facção A, essa é de facção B", explicou o pesquisador.

Por que o Ceará atrai as facções?

O professor apontou três fatores estratégicos que tornam o estado um território cobiçado pelo crime organizado:

Economia: O Ceará possui uma das maiores economias do Norte e Nordeste, com Fortaleza detendo o maior PIB da região Nordeste.

Infraestrutura: O estado conta com portos e aeroportos estratégicos, incluindo o Porto do Pecém (um dos maiores do Norte e Nordeste) e o Aeroporto Internacional Pinto Martins (quarto em movimentação de cargas no Brasil).

Posição geográfica: A localização privilegiada, mais próxima da Europa, África e Estados Unidos, reduz custos logísticos para operações criminosas.

Críticas às políticas de segurança

Artur Pires foi enfático ao criticar as atuais políticas de segurança, classificando-as como "historicamente equivocadas". Na sua avaliação, a estratégia tem se limitado a contratar policiais, comprar viaturas e construir delegacias, medidas que considera insuficientes.

"Isso é insuficiente. A gente precisa, na verdade, pensar a segurança pública vinculada com, no médio e longo prazo, você dá dignidade", defendeu, citando a necessidade de investimentos em educação, cultura, lazer, esporte e moradia digna.

O pesquisador também destacou a importância de "desbaratar as redes de ilegalidade e corrupção que as facções estabeleceram com grandes atores estatais e econômicos". Sem essa abordagem, ele compara o combate ao crime a "enxugar gelo".

Projeto Antifacção e sistema penitenciário

Sobre o Projeto de Lei Antifacção em discussão no Congresso, Pires destacou pontos positivos como a destinação de bens apreendidos aos fundos estaduais e a possibilidade de intervenção em empresas ligadas a facções. Porém, foi crítico em relação ao endurecimento de penas.

"Você aumentar as penas das pessoas quer dizer que você propõe que mais pessoas fiquem mais tempo nas penitenciárias. Mas se prender pessoas resolver essa questão, nós temos a quarta maior população carcerária do mundo", argumentou.

O especialista classificou as prisões brasileiras como um "grande fracasso civilizacional" e defendeu um novo modelo que ofereça acesso real à educação, cultura e práticas artísticas aos presos.

Por fim, Pires refutou a ideia de uma relação direta entre pobreza e criminalidade, lembrando que a maioria da população periférica não pratica crimes. "O crime é uma rede que conecta várias classes sociais. Essa é a realidade científica do assunto", concluiu.