
Nove anos se passaram, mas a ferida ainda dói. E agora, uma decisão judicial reacendeu o debate sobre justiça e responsabilidade na tragédia que marcou o país.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – pasmem – reduziu as penas de quatro condenados pelo incêndio na Boate Kiss. Aquele inferno em Santa Maria que ceifou 242 vidas em 2013. A coisa não é simples, claro. Nem um pouco.
Os números frios de uma decisão quente
Dois dos sócios-proprietários do local, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, tiveram suas penas drasticamente revisadas. Cairam de 22 anos e 6 meses para… 18 anos. Sim, quase cinco anos a menos. A justificativa? Progressão de regime após cumprir 1/6 da pena – algo que, convenhamos, deixa qualquer um com a pulga atrás da orelha.
E tem mais: a banda Gurizada Fandangueira, que estava no palco naquela noite fatídica, também teve a pena reduzida. Os músicos Edson Prestes da Silva e Luciano Augusto Bonilha Leão foram de 18 anos para 15 atrás das grades. Marcelo de Jesus dos Santos, outro integrante, caiu de 18 para 12 anos.
O porquê da polêmica
Aqui é onde a coisa fica espinhosa. O desembargador Jorge Luís Dall'Agnol, relator do caso, argumentou que os crimes foram cometidos com culpa consciente – não com dolo. Traduzindo: não houve intenção de matar, mas sim negligência grotesca. Uma distinção jurídica que, para as famílias das vítimas, deve soar como mero formalismo.
E tem um detalhe crucial: a progressão de regime para crimes hediondos. O tribunal entendeu que a regra do cumprimento de 2/5 da pena para progressão não se aplicaria aqui. Só 1/6. Uma virada e tanto na interpretação da lei.
O que dizem as partes
O Ministério Público, como era de se esperar, não engoliu a decisão. Recorreu. Alegou que a progressão deveria seguir a regra dos 2/5, não essa exceção do 1/6. Uma batalha legal que promete se estender ainda mais.
Do outro lado, a defesa dos réus comemora – com restrições, é claro. Alega que a decisão reconhece que não houve intenção de matar, apenas uma cadeia de erros trágicos. Mas será que isso conforta alguém?
O peso dos anos
Enquanto a justiça se debruça sobre artigos e parágrafos, as famílias das vítimas carregam um vazio que nenhuma decisão judicial preencherá. Nove anos depois, a pergunta que fica é: até que ponto números em processos judiciais traduzem justiça?
Santa Maria ainda se lembra. O Brasil também. E essa revisão de penas – embora tecnicamente fundamentada – parece mais uma página num capítulo que nunca deveria ter sido escrito.
O caso continua correndo. E a sensação é que, independentemente das decisões judiciais, a verdadeira sentença já foi cumprida por quem perdeu entes queridos naquela noite de janeiro.