
Imagine a cena: uma unidade de pronto atendimento, madrugada adentro, e um paciente chegando em estado gravíssimo. O diagnóstico? Intoxicação por metanol - aquele álcool industrial que ninguém em sã consciência beberia. E o antídoto que salvaria essa vida? Uma garrafa de vodka comum, daquelas que você encontra em qualquer adega.
Parece roteiro de série médica, mas aconteceu de verdade no interior paulista. O caso, digno de um episódio de House, mostra como a medicina às vezes precisa improvisar com o que tem à mão.
Desespero e criatividade na madrugada
O que levaria alguém a ingerir metanol? Bom, essa é uma pergunta que fica no ar. O fato é que quando o paciente chegou à UPA, a situação era crítica. Metanol no organismo se transforma em ácido fórmico - sim, a mesma substância das picadas de formiga, só que em quantidades capazes de cegar ou matar.
O protocolo padrão exigiria etanol medicinal ou fomepizol. Só que a unidade simplesmente não tinha. Zero. Nada.
Foi quando a equipe médica teve um daqueles momentos de insight. Vodka contém etanol - o mesmo álcool das bebidas comuns. E o etanol, quando administrado corretamente, impede que o metanol seja metabolizado no fígado. Basicamente, é uma corrida onde o etanol "corta a fila" do metanol.
Improviso que salva vidas
A dose foi calculada com precisão cirúrgica. Não era para brindar, claro. O paciente recebeu a vodka por sonda nasogástrica - um tubo direto para o estômago. Enquanto isso, os médicos monitoravam cada batimento cardíaco, cada respiração.
O cheiro de vodka no ambiente hospitalar deve ter sido, no mínimo, surreal. Enfermeiros virando bartenders de emergência, tudo para manter alguém vivo.
E funcionou. O paciente se estabilizou e foi transferido para um hospital maior. A gambiarra médica - porque no fundo era isso - deu certo.
O que isso revela sobre nosso sistema de saúde?
Agora vem a parte que preocupa: por que uma unidade de saúde não tinha o antídoto adequado? Fomepizol é caro, sim. Mas e o etanol medicinal? Também não tinha.
Isso me faz pensar naquelas situações em que a gente se vira com o que tem. O famoso "jeitinho brasileiro" aplicado à medicina. Funcionou dessa vez, mas e na próxima?
O caso todo tem um quê de ironia. Alguém quase morre por beber álcool errado e é salvo por outro tipo de álcool - esse, pelo menos, próprio para consumo.
No final das contas, o que importa é que uma vida foi salva. A equipe médica mostrou que, às vezes, criatividade vale mais que recursos. Mas seria tão bom se tivéssemos ambos, não?