
O que acontece quando as linhas de frente engolem justamente aqueles que estão lá para estender a mão? A pergunta, angustiante, ecoa após um anúncio sombrio feito pelas Nações Unidas. O conflito em Gaza está escrevendo um capítulo particularmente horrível, não só para a população local, mas para aqueles que arriscam a própria pele para tentar amenizar o sofrimento alheio.
Os números são, para ser franco, de cortar o coração. A ONU não usa meias-palavras: estamos falando do maior número de trabalhadores humanitários mortos em qualquer operação singular da história da organização. Uma verdadeira hecatombe da solidariedade.
O preço da ajuda
Mais de 250 colaboradores. Pare por um segundo e deixe esse número sink in. São mais de 250 vidas dedicadas a salvar outras, obliteradas. Cada um era um mundo – um pai, uma mãe, um filho, um amigo – que vestiu um colete ou carregou um símbolo pensando que isso os protegeria. O que falhou?
E não para por aí. A cifra assombrosa de mais de 180 funcionários da própria agência da ONU para refugiados palestinos (a UNRWA) foram mortos. É um golpe devastador para a espinha dorsal da operação de socorro, que já opera com os recursos stretched ao limite. Como seguir adiante quando seu próprio pessoal é dizimado?
Um cenário de pesadelo logístico
Imaginar o dia a dia desses heróis anônimos é mergulhar num pesadelo. Jens Laerke, o porta-voz do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), foi categórico: a situação de segurança é, simplesmente, "impossível". Não é difícil, não é perigosa. É impossível.
E o que isso significa na prática? Significa que toneladas de comida, remédios e tendas ficam apodrecendo em caminhões do lado de fora, enquanto dentro das fronteiras de Gaza a fome e a doença se alastram. É um paradoxo cruel e fatal. A ajuda está lá, a um quilômetro de distância, mas poderia muito bem estar em outro planeta.
Os comboios são atacados. As estradas estão destruídas. As regras de engajamento parecem… fluidas, para dizer o mínimo. Como você opera nesse ambiente? A resposta, tristemente, é que você não opera. Ou opera a um custo que nenhum manual de procedimentos poderia jamais prever.
Além dos números: o trauma invisível
Para cada morte contabilizada, dezenas de outros trabalhadores carregam cicatrizes que não sangram. O trauma psicológico de testemunhar tanta destruição, de perder colegas em circunstâncias brutais, de sentir que o símbolo da neutralidade se tornou um alvo… isso não entra nas estatísticas, mas é uma epidemia silenciosa.
E no meio de tudo isso, a população de Gaza paga o preço mais alto. Com a rede de assistência despedaçada – literal e figurativamente – o desespero só aumenta. A ONU é clara: sem uma desescalada imediata e um corredor humanitário verdadeiramente seguro, o pior ainda está por vir.
Este não é apenas mais um registro triste em um conflito repleto deles. É um marco sombrio. Um sinal de que estamos normalizando o inormalizável: a morte daqueles que juram não fazer mal, apenas curar.