
Num daqueles golpes de sorte que só a natureza proporciona, uma bióloga de Campinas conseguiu registrar algo que poucos viram: o ritual de acasalamento do pato-mergulhão (Mergus octosetaceus). A cena — frágil, íntima e raríssima — aconteceu nas águas cristalinas de um rio da região, longe dos olhos curiosos.
"Foi como ganhar na loteria ecológica", brincou a pesquisadora, que preferiu não se identificar para evitar perturbar o habitat da espécie. O vídeo, de apenas 47 segundos, mostra o casal executando uma coreografia aquática precisa antes do momento crucial.
Um ballet subaquático
Primeiro, o macho — com seu penacho rebelde — persegue a fêmea em círculos concêntricos. Depois, num movimento sincronizado que desafia a física, ambos mergulham simultaneamente. É quando a magia acontece: debaixo d'água, por incríveis 12 segundos.
"Parece poesia, mas é pura biologia", comenta o ornitólogo Marcelo Vasconcelos, consultor do ICMBio. Ele explica que esse ritual complexo é justamente o que torna a espécão tão vulnerável. "Qualquer perturbação no ambiente interrompe o processo. E sem reprodução, o destino é a extinção."
O drama da sobrevivência
Com menos de 250 indivíduos na natureza, o pato-mergulhão é considerado o "fóssil vivo" das aves brasileiras. Suas exigências ecológicas são absurdamente específicas:
- Águas límpidas com visibilidade de até 4m de profundidade
- Corredeiras com pedras planas para construir ninhos
- Ausência total de poluição sonora
Não à toa, os últimos refúgios estão justamente em Campinas e no entorno da Serra da Canastra. E mesmo lá, a pressão urbana aperta. "Essa gravação é um alerta", diz Vasconcelos. "Mostra o que estamos prestes a perder."
Para quem duvida do impacto humano, um dado cruel: nos anos 1980, havia populações estáveis em Goiás e no Paraná. Hoje? Nada. Desertos aquáticos onde antes havia vida.