Aniversário marcado pela tragédia: o rosto humano das mudanças climáticas
No dia em que completou cinco anos, em 12 de março de 2025, uma menina do Jardim Pantanal, em São Paulo, viu sua casa ser inundada pelas águas. A celebração deu lugar ao desespero quando a criança precisou se abrigar na casa de uma vizinha, separada do cachorrinho que acabara de ganhar de presente.
A prima Thaynah Gutierrez, secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista, relatou que "o aniversário foi uma tragédia". A menina desenvolveu trauma profundo: "Toda vez que escuta barulho de chuva, chora desesperadamente com síndrome de pânico".
Esta história pessoal ilustra como os eventos extremos, intensificados pelas mudanças climáticas, interferem diretamente na vida das pessoas. Os impactos, porém, são desiguais: atingem com mais força as periferias e vitimam principalmente os mais pobres e negros.
Impactos visíveis e invisíveis do aquecimento global
Dias antes do aniversário da menina, o Jardim Pantanal já havia enfrentado dias de alagamento. Gutierrez explicou que "é uma região muito baixa, pantanosa, que não tinha condições de abrigar tantas moradias". As comunidades tradicionalmente construíam casas com um degrau acima para conter a água, mas as estratégias de adaptação já não são suficientes para o volume atual de chuvas.
A Conferência da ONU sobre o Clima em Belém (COP30) pretende buscar soluções para o aquecimento global e mudanças climáticas que estão mais próximas do cotidiano do que muitos imaginam. Especialistas alertam que esses impactos já são realidade no dia a dia e tendem a se agravar.
Regina Rodrigues, professora de Oceanografia da UFSC e especialista em mudanças climáticas, explicou que eventos extremos como chuvas intensas, secas e ondas de calor fazem parte do sistema natural, mas o aquecimento global os tornou mais frequentes e intensos.
Além dos desastres evidentes, existem impactos menos visíveis:
- Inflação provocada pela queda na produtividade de alimentos como cacau e café
- Racionamento de água em cidades
- Riscos na geração de energia
- Efeitos sobre a saúde humana
"Não é uma coisa do futuro", afirmou Rodrigues. "Quando vem o desastre, ele escancara o que estava acontecendo, fica muito óbvio. Porque ele leva todas essas circunstâncias ao limite".
Desigualdade climática e racismo ambiental
Os impactos mais conhecidos incluem desastres como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, causando 183 mortes, problemas de saúde física e mental e graves prejuízos financeiros. Um estudo da World Weather Attribution mostrou que as mudanças climáticas dobraram as chances de chuva extrema ocorrer.
As mudanças climáticas também tiveram papel fundamental na seca na Amazônia em 2023. Rodrigues destacou que "75% da seca extrema foi causada pelas mudanças climáticas e só 25% por efeito natural, que era o El Niño".
Para as periferias, os principais problemas são, em primeiro lugar, as ondas de calor, seguidas por enchentes e inundações. Gutierrez observou que "há um impacto muito grande do calor que não é noticiado da mesma forma que as enchentes".
Um estudo do Lasa/UFRJ revelou a dimensão desse problema: entre 2000 e 2018, cerca de 48 mil mortes em excesso ocorreram durante ondas de calor apenas nas 14 principais regiões metropolitanas do país. O impacto do calor foi maior entre idosos, pessoas negras e com menor escolaridade.
Este é um exemplo do que se chama de racismo ambiental. Gutierrez explicou: "O racismo ambiental diz que as populações que foram marginalizadas e excluídas das boas condições de infraestrutura, dos bons lugares de moradia, que são majoritariamente negras, indígenas e quilombolas, estão em situações vulnerabilizadas. E essas desigualdades pré-existentes aprofundam os desastres ambientais e climáticos".
Adaptação: necessidade urgente para o Brasil
A plataforma AdaptaBrasil, do MCTI, reúne dados sobre riscos relacionados às mudanças climáticas. Jean Ometto, coordenador científico da plataforma e pesquisador do Inpe, destacou a importância de investir em adaptação, já que áreas como infraestrutura, segurança energética, recursos hídricos e saúde estão interligadas.
Um exemplo crucial é a segurança alimentar. Atualmente, 125 cidades brasileiras têm risco alto e muito alto de insegurança alimentar. Em 2050, esse número deve saltar para 688 no melhor cenário e 777 no pior.
Outra preocupação é o avanço de doenças como dengue, zika e chikungunya. Ometto alertou: "Com o aumento da temperatura e potencialmente mais umidade, o inseto se reproduz mais e pode ter picos de ocorrência de arboviroses".
Além da mitigação (redução de gases de efeito estufa), é essencial investir em adaptação. Ometto reconheceu que "estamos lentos nessa história. A adaptação chegou um pouco mais tarde".
Em carta divulgada em 24 de outubro, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, destacou: "À medida que a era dos alertas dá lugar à era das consequências, a humanidade se depara com uma verdade profunda: a adaptação climática deixou de ser uma escolha que sucede à mitigação; ela é a primeira parte de nossa sobrevivência".
Um dos pontos da COP30 será a Meta Global de Adaptação, que deve estabelecer indicadores para avaliar a adaptação dos países. Gutierrez defende que a adaptação precisa considerar soluções baseadas na natureza e nas comunidades: "Você vai precisar olhar para as demandas que aquela comunidade tem e reparar a partir da necessidade que está colocada".