A Conferência do Clima da ONU, conhecida como COP30, está em pleno andamento em Belém, reunindo representantes de quase 200 países em discussões intensas que vão moldar a política climática global pelos próximos anos. O evento, que ocorre na chamada "zona azul" da conferência, envolve a análise minuciosa de mais de cem documentos legais que precisam ser aprovados por consenso entre todas as nações participantes.
O desafio da agenda e os múltiplos textos
Antes mesmo de mergulhar no conteúdo das discussões, os países enfrentaram o primeiro obstáculo: definir o que estaria na pauta oficial da conferência. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, comemorou o que chamou de "fantástico acordo" que permitiu a definição da agenda sem grandes disputas iniciais. Segundo os organizadores, esta foi uma conquista significativa, já que em edições anteriores essa etapa gerou conflitos consideráveis.
De acordo com Ana Toni, diretora-executiva da COP30, existem 145 tópicos em discussão, sendo que 20 deles são considerados particularmente relevantes para o sucesso da conferência. A especialista em Política Climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann, explica que o volume de textos negociados durante uma COP normalmente fica "na casa das centenas", refletindo a complexidade e diferentes estágios de maturidade de cada tema.
O minucioso processo de construção de consenso
Cada documento passa por um rigoroso processo de análise coletiva. As negociações começam de forma ampla, com os países apresentando suas posições iniciais. A partir daí, facilitadores elaboram notas informais reunindo todas as visões - muitas vezes conflitantes - e gradualmente o texto vai sendo ajustado até surgirem propostas mais concretas.
"Essas propostas ficam entre colchetes até que haja consenso na sala sobre se aquela formulação está ok para todos", detalha Herschmann. "Quando há um texto limpo, os países concordam em levar para aprovação na plenária. Na verdade, é preciso consenso dentro da sala para liberar o texto - e, na plenária, em princípio, ninguém pode se opor."
O processo envolve a criação de diferentes versões dos documentos:
- Sem texto: quando não há acordo nem rascunho
- Texto informal: primeira versão com posições dos países, sem linguagem jurídica
- Texto preliminar (draft): começa a ter estrutura legal, mas com colchetes indicando desacordo
- Texto limpo: quando todos os colchetes são retirados e há consenso
Os caminhos para o acordo final
Segundo Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, os textos finais podem seguir dois caminhos principais. Podem vir dos grupos de contato - grupos de discussão formados pelos países que negociam determinado tema - que fecham uma resolução e enviam o texto à presidência da conferência. Alternativamente, existem as "resoluções de capa", redigidas diretamente pela presidência da COP após consultas.
"A presidência escreve o que entende ser o consenso geral - aquilo que teve mais adesão ou que a maioria concordou. Esse tipo de texto costuma gerar mais debate e até irritação, porque não é produzido coletivamente", explica Astrini.
Nos momentos finais da conferência, é comum que surjam vários drafts sobre um mesmo tema, refletindo o intenso vai e vem das negociações. Os negociadores trabalham na construção de "textos de ponte" para aproximar posições e encontrar um "ponto de aterrissagem" - um meio-termo aceitável para todos.
Quando o acordo é alcançado, o item fica "verde" nos relatórios de acompanhamento. Se não há consenso, o tema pode ser adiado para a próxima COP de acordo com a Regra 16 da Convenção do Clima. "Normalmente, volta-se a ouvir as partes, produz uma nova primeira versão de texto. Mas também há certa flexibilidade: às vezes, os países decidem retomar a última versão trabalhada e tentar avançar dali, para não perder tudo o que já foi construído", complementa Herschmann.
O momento final ocorre quando o texto está pronto e é transformado em "decisão provisória" para ser enviado à plenária de encerramento. É o presidente da COP quem dá a martelada final - literalmente - para adotar o documento como decisão oficial da conferência, encerrando assim duas semanas de intensas negociações que definirão os rumos da política climática global.